Aos 31 anos, com quatro filhos pequenos, a então costureira Marlene Fulchini Petrachin (hoje com 79 anos), moradora de Londrina, viu-se sozinha e desamparada após a morte do marido. Além disso, um dos filhos era surdo. Em vez de se retrair, mudou de profissão e ajudou a criar 23 surdos acolhidos em sua casa.

 

Eder Petrachin tinha seis meses quando ficou surdo. Faleceu em julho de 2019. Marlene atribui à existência dele a inspiração que norteou toda a sua vida. Ela perdeu o marido em um acidente automobilístico em 1972.

 

Sozinha e assoberbada com os afazes da casa e com as encomendas da costura, ainda cuidava e levava, a pé, os filhos para diferentes escolas – Eder estudava no ILES (Instituto Londrinense de Educação de Surdos). Foi então que teve a ideia de comprar um automóvel e transportar alunos. Aprendeu a dirigir e adquiriu uma Rural Willys (Ford). Hoje tem uma frota de transporte escolar.

 

Na época, o ILES havia recebido aparelhos que auxiliavam no desenvolvimento da fala, oriundos da Itália e da Alemanha, fato que chamou a atenção e trouxe surdos de outras localidades para Londrina. Alguns deles, além do desafio da surdez, não tinham condições financeiras para bancar a estadia. “A irmã Tonina me dizia ‘vai lá que ela dá jeito’”, conta Marlene emocionada. Acolheu 23 surdos de uma só vez.

 

Chegou a dormir num colchonete debaixo da mesa por falta de espaço: “tinha um pequenininho que veio de um sítio de São João do Caiuá (PR) e eu dormia com ele no braço. Dormi cinco anos debaixo da mesa”.

 

As histórias são muitas. Marlene conta que um dos surdos ficou dezenove anos com ela. Outros vinham com sérios problemas de saúde. Um deles, com nove anos de idade, brincava catando bitucas de cigarro no ponto de ônibus: “Era sempre uma preocupação. Tinha que deixar o serviço e correr atrás dele”. Ficou alguns anos com ela e depois foi embora. Anos depois veio a notícia que ele havia falecido.

 

Mandou até rezar missa de sétimo dia. Alguns meses depois estacionou um caminhão na frente de sua casa: “Fui ver quem era e nem reconheci no primeiro momento. De repente desceram do caminhão uma mulher, duas crianças e ele. Foi uma mistura de susto e alegria ao mesmo tempo!” – recorda Marlene.

 

Outra história que faz questão de contar foi quando adotou a pequena Cleide. Ela vivia com a família na periferia de Londrina: “Eu passava pela pedreira, e via aquela criancinha comendo bagaço de laranja, roendo ossos de frango e sempre procurava a mãe e não encontrava, até que um dia me disseram que a menina era ‘muda’ e por isso era rejeitada”. Marlene, com a cara e a coragem, pediu para adotá-la. A mãe concordou e Cleide foi acolhida: “Quando cheguei com ela, foi a maior festa que já aconteceu em casa. Os surdos até hoje a chamam de ‘nenê’”.

 

Hoje, aos 79 anos, Marlene continua na ativa. Transporta alunos para várias instituições educacionais de Londrina. Há dez meses faleceu o seu filho surdo: “perda difícil de superar” como ela diz. Avaliando toda a sua trajetória, Marlene conclui: “Valeu a pena ter sido mãe de todos eles. Devo tudo isso ao meu filho surdo, porque se não fosse ele, não teria conhecido os outros e nada disso teria sido feito”.

Pe. Heriberto Mossato PMS
Paróquia Nossa Senhora do Rocio – Decanato Leste
Pequena Missão para Surdos

 

 

Recordações: Marlene olha a foto do filho surdo falecido em 2019 e na mesa os outros surdos que acolheu. (Foto Pe. Heriberto Mossato PMS)

 

Acolhimento: A mesa preparada para o café da tarde. Marlene segura a bolsa que veio junto com a pequena Cleide. (Foto Pe. Heriberto Mossato PMS)

 

A vida que segue: Aos 79 anos, Marlene continua trabalhando. (Foto Pe. Heriberto Mossato PMS)

 

 

 

 

Nos dias 17, 18 e 19 de Março de 2017 aconteceu no Seminário São Vicente Pallotti, em Londrina – PR, o XIX Encontro – “O futuro tem nome: Juventude” do grupo JAC – Jovens Amigos Cristãos da Paróquia Nossa Senhora das Graças, Londrina, com o tema “Refaz a Morada, Habita em Mim”.

A ideia de como seria o encontro surgiu a partir dos coordenadores do grupo, Fernando Abade e Lucas Santoro, em fazer um encontro inclusivo com os surdos. Entraram em contato com a Irmã Vânia Brandão da Congregação Pequena Missão para Surdos (PMS), que inicialmente os encaminhou ao Irmão Glauber Gualberto, também pertencente à congregação. Assim que o Irmão soube da ideia, se dispôs a ajudar no desenvolvimento à viabilidade do encontro.

De início, a dificuldade foi de encontrar jovens surdos para estarem participando do encontro, pois muitos deles tinham receio de não se sentirem à vontade ou de terem dificuldade para se comunicar com os demais encontristas. Depois, houve outra dificuldade, pois ninguém tinha contato com os surdos, muito menos experiências ou capacitação para se comunicar com eles. Porém, o grupo de jovens tinha o principal, a vontade da inclusão.
Por fim, a dificuldade foi na montagem da equipe de intérpretes, que atuou no encontro, pelo número baixo de intérpretes em Londrina.

Em geral, o encontro ocorreu melhor que as expectativas, pois o objetivo principal era quebrar algum preconceito ou medo dos demais em entrar em contato com os surdos. A aproximação e a interação foram excelentes, pois os surdos tiveram a oportunidade de estarem no meio dos demais de maneira igual aos jovens ouvintes, tendo a oportunidade de ver como é tentar se comunicar com os demais, ora com intérprete, ora sem intérprete.

Ao final da missa de encerramento, no domingo, pôde-se observar que todo o esforço valeu a pena quando todos se encontraram emocionados com a interação que houve durante todo o fim de semana. As famílias dos surdos gentilmente agradeceram pela oportunidade e os próprios surdos ficaram felizes por terem sido acolhidos.

“A viabilidade de um encontro em si é trabalhosa, ainda com o processo de inclusão dos surdos houve ainda mais um degrau a ser vencido, mas todo o esforço valeu a pena, pois é muito gratificante ver que os jovens têm sim condições de entrar em contato com o próximo, respeitando suas limitações, seja alguma deficiência física ou problemas sentimentais. O JAC prioriza ver suas qualidades e ajudar a resolver seus problemas. Isto é o que uma família faz.”, diz Fernando, coordenador do grupo JAC.


André Tiago dos Santos, surdo de nascença, 30 anos, trabalha no banco Itaú em Arapongas como funcionário na vaga especial, testemunhou sobre o encontro: “meu coração está especial, recebeu energias boas de jovens do grupo JAC, sentimento muito forte de alegria. Acredito no trabalho destes jovens, é positivo, maravilhoso. Sem muitas explicações minha resposta é que foi perfeito, sincero e honesto. Importante incluir também na Igreja os surdos e os ouvintes terão sempre troca de aprendizagem de vida, troca união, força, luta, missão de evangelização a todos, numa sociedade que só separa, e a minoria une. Muito bonito os jovens se preocupando com o outro ‘pessoas diferentes’, assim nos fazem ‘iguais’. O encerramento com a música em sinais (libras) emocionou a todos. Precisa dar continuidade. Estudei na inclusão, trabalho na inclusão, só faltava a religião para inclusão. Estou muito bem com o que vi e vivi neste Encontro. Obrigado”.

jac encontro xix 1Yasuji Kimura Junior, 20 anos, ouvinte, também pode testemunhar: “foi uma experiência única, me senti muito acolhido, muito querido e muito respeitado, também respeitei muito as pessoas. Foi uma experiência única, porque eu nunca havia me comunicado com uma pessoa deficiente auditiva na vida, e foi uma experiência que quebraram vários “tabus” e abriram vários caminhos. O conceito de família que o encontro mostrou bastante, fez com que meus olhos se abrissem, devemos sempre agradecer a família que temos independente de qual temos. Precisamos respeitar, agradecer e aprender a conviver com as diferenças, e foi isso que um dos testemunhos durante o encontro falou sobre a importância do papel da família, pois é ela quem nos prepara para a vida, porque a vida fora de casa não nos ensina com o amor, só nossa família vai nos ensinar. O encontro foi bastante interativo, e a convivência com os surdos foi muito engraçada, muito legal e foi muito normal, eles não são diferentes da gente que consegue falar ou ouvir, eles conseguem se expressar muito bem, até melhores que algumas pessoas ouvintes, foram muito extrovertidos”.

Mensagem do grupo JAC a todos os envolvidos: “Gostaríamos de agradecer a cada encontrista, a cada palestrante, a cada trabalhador, cada intérprete, a cada intercessor e a cada colaborador que de alguma forma tomaram para si a luta de mais um encontro do grupo JAC, que em 2017 em sua XIX edição mostrou que juntos somos mais e que incluir é possível! Que Deus abençoe a todos!!”

Karla Arissa Watanabe
Grupo JAC