Somos seres relacionais. Fomos criados por Deus para estarmos em conexão uns com os outros. Feitos para amar, sofremos com o isolamento social. Em tempos de pandemia do Covid-19 fomos chamados à construir igrejas domésticas on-line em nossos lares, ficando afastados das nossas comunidades físicas nas paróquias, protegendo assim à cada um de nós e àqueles que amamos.

 

Há tempos que já consumimos produtos e serviços, inclusive informação, de forma mais assídua pela internet. Esse comportamento geral da população é algo que parece irreversível e um fato crescente em nossos dias. Com a crise do coronavírus passamos a acompanhar as transmissões da Santa Missa pela TV ou pelas redes sociais. Sacerdotes e leigos têm promovido terços, grupos de oração, adoração ao Santíssimo Sacramento, formações, direção espiritual etc. via Facebook, Instagram e Youtube, tudo para aliviar um pouco o sofrimento e a solidão. Assim, nossas igrejas domésticas, dia após dia tem-se se tornado mais virtuais.

 

Desde o dia 9 de março em função da pandemia do Covid-19, o Santo Padre quis que suas missas diárias na Casa Santa Marta no Vaticano, que antes tinham caráter privado, passassem a ser transmitidas on-line, para estar mais próximo do povo de Deus, e as homilias divulgadas na íntegra.

 

Foto: AFP Vatican News

Porém, no último dia 17 de abril, sexta-feira, nessa missa diária, o Papa Francisco alertou para o risco de uma fé gnóstica, sem comunidade e contatos humanos reais, vivida unicamente por meio da internet que “viraliza” os sacramentos. Precisamos recordar que a fé católica é baseada na experiência concreta entre três sujeitos: Deus, os irmãos e cada um de nós individualmente.

 

A aliança entre Deus e o seu povo nos põe numa dinâmica de vida comunitária, em Cristo, somos todos irmãos e congregados na mesma fé, esperança e caridade. Isso gera em nós um espírito de comunhão, queremos partilhar a alegria do Ressuscitado e os bens espirituais advindos D´Ele mesmo, expressando mutuamente essas maravilhas nos encontros de fé. Desse modo, no dia 17 de abril, o pontífice, com preocupação disse: “as pessoas que estão em conexão conosco (terão) somente a Comunhão espiritual. E esta não é a Igreja. Esta é a Igreja de uma situação difícil, que o Senhor a permite, mas o ideal da Igreja é sempre com o povo e com os Sacramentos”.

 

Assim, fica muito claro que nossa fé não pode estar baseada em algo constituído por uma simulação criada por meios eletrônicos, que são as transmissões virtuais. Isso nos ajuda e muito, neste tempo de pandemia, a rezar, a nos colocar em reflexão, a nos alimentar de algum modo espiritualmente. Porém não podemos nos contentar com isso. Precisamos ter plena consciência que este é um tempo “anormal” de nossa Igreja que, com todo o cuidado com as normas sanitárias vigentes e nossa oração, iremos superar. Consumimos informação, livros, roupas, calçados pela internet, mas a riqueza que são os sacramentos dados por Cristo por meio da Igreja, a cada um de nós, precisa ser recebido presencialmente.

 

Foto: Terumi Sakai

Cristo se dá em seu corpo e sangue, está no Sublime Sacramento da Eucaristia. Ali está a presença espiritual e humana da segunda pessoa da Trindade. Isso não nos comove? Não nos causa ansiedade para encontrá-Lo com a comunidade reunida? Se a resposta for não, alguma coisa está errada. Infelizmente, muitos católicos se “acostumaram” com uma fé virtual, não lhes diz mais nada a experiência de “tocar a chaga aberta” como fez São Tomé. Cristo quer que caminhemos ao seu encontro nos sacramentos e onde “dois ou mais” estiverem reunidos, tal como a experiência do apóstolo incrédulo. Por vezes, ficamos tempo sem ver nossos pais, um parente ou amigo querido, sentimos saudades, queremos abraçar, conversar, estar junto, pois sentimos muita falta. Isso precisa mesmo nos causar alguma dor, em especial a distância do nosso amado Jesus Cristo presente na Eucaristia, que não temos podido receber regularmente nos últimos tempos.

 

Segundo a Sagrada Escritura a fé é “o fundamento da esperança, é uma certeza do que não se vê” (Hb 11,1). De fato, não vemos o corpo e sangue de Cristo na Eucaristia, mas cremos nisso, esta é a nossa fé. É urgente continuarmos desejosos de receber os sacramentos, viver a vida na comunidade cristã, dar o abraço da paz. Podemos neste momento até usar de meios virtuais para viver nossa fé, mas a fé não é virtual, ela é real e verdadeira, fundamentada em Nosso Senhor Jesus Cristo!

Jefferson Bassetto
Seminarista da teologia da Arquidiocese de Londrina

 

Artigo publicado pela Revista Coração de Jesus, Edição 308, ano 2020 (Catedral Metropolitana de Londrina).