[dropcap]A[/dropcap] celebração da Páscoa, nos três primeiros séculos da Igreja, não tinha um período de preparação. Limitava-se a um jejum realizado nos dois dias anteriores. A comunidade cristã vivia tão intensamente o empenho cristão, até o testemunho do martírio, que não sentia a necessidade de um período de tempo para renovar a conversão já acontecida no batismo.A quaresma desenvolveu-se a partir de três elementos históricos que devem ser entendidos para conseguirmos explicar todo o seu sentido: o jejum ou preparação para a Páscoa; a preparação para receber ou renovar os sacramentos pascais e, por fim, a comemoração dos quarenta dias de Jesus em oração e luta contra o mal. A renovação eclesial recente contou com a força do Concilio Vaticano II para redescobrir o essencial: Jesus morto e ressuscitado. Para nós, hoje, esta é uma afirmação evidente, mas a verdade é que com esta nitidez de agora é bastante recente. Sobretudo porque une dois aspectos do mesmo mistério: paixão e ressurreição. Durante vários séculos vinha-se acentuando o primeiro aspecto em detrimento do segundo. A contribuição principal no redescobrimento do sentido autêntico da páscoa deve-se a Odo Casel (1886-1948). O mistério pascal é o centro da teologia equilibrada e completa da redenção, que ressalta a sua dimensão escatológica.

A história, da mesma forma que a teologia, autoriza-nos a falar do batismo como o sacramento pascal. Na sua vinculação com a quaresma vê-se que graças ao batismo, entramos no dinamismo pascal, morrendo com Cristo ao pecado e passando por meio dessa morte à vida divina de filhos de Deus. O ulterior desenvolvimento da vida cristã termina com a ressurreição gloriosa. O dinamismo espiritual e eclesial tem sua origem na morte e ressurreição batismais. O caráter pascal da crisma é evidente, uma vez que é “confirmação” do batismo. A mesma coisa acontece com a Eucaristia, um dos sacramentos da Iniciação Cristã. A Eucaristia, sacramento do banquete da páscoa e do reino, é por excelência a páscoa cristã. Santo Atanásio diz que, “quando os cristãos reunidos comem a carne do Senhor e bebem seu sangue, o que fazem é celebrar a Páscoa”. Por muito tempo acentuou-se a quaresma como lugar, por excelência, para a celebração do sacramento do perdão. Ele não é somente condição prévia para a comunhão pascal, mas também o reencontro da graça batismal. O próprio Concílio Vaticano II observou a relação entre cerimônia do batismo e a penitência. Além disso observa que a Quaresma é o tempo de que se dispõe para comemorar o batismo e renovar a conversão mediante a penitência.

As narrações de Apocalipse 11,3-12, Malaquias 3,22-23, mais a dos dias de Jesus no deserto (Lc 4,1-13), são as narrações de base para desvendar o sentido bíblico dos quarenta dias. O jejum de Moisés e Elias surge como elemento essencial na preparação para a proximidade de Deus. Trata-se de passar de uma vida profana para uma vida de santidade. Alguns termos muito usados no período da quaresma também nos fazem entender melhor o seu significado profundo: aliança, deserto, conversão, sacramentos pascais, caminhada, etc. De maneira simples podemos dizer que uma quaresma bem vivida exige de nós voltar-nos para Deus através da oração, da esmola, do jejum, da reconciliação e da renovação do nosso batismo.

Convido a todos para viver bem esta quaresma. É o tempo de Deus. Deixemo-nos reconciliar com Ele enquanto é tempo.

Dom Geremias Steinmetz
Arcebispo Metropolitano de Londrina

Confira a mensagem do Papa Francisco para a Quaresma de 2018. O Papa nessa mensagem destaca quem são e as consequências trazidas pelos falsos profetas ao coração do homem. Ele também chama a atenção para a falta de amor e o que essa triste realidade pode gerar à vida do homem e ao planeta. Diante desses grandes desafios o Papa Francisco propõe a oração, a esmola e o jejum como verdadeiros caminhos de atenção e amor a Deus e ao próximo. Por fim, o pontífice afirma ser possível recomeçar a amar diante da luz de Cristo que reacende em todos os corações a fé, a esperança e o amor.

Leia na íntegra:


 

MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO PARA A QUARESMA DE 2018

“Porque se multiplicará a iniquidade,
vai resfriar o amor de muitos” (
Mt 24, 12)

 

Amados irmãos e irmãs!

Mais uma vez vamos encontrar-nos com a Páscoa do Senhor! Todos os anos, com a finalidade de nos preparar para ela, Deus na sua providência oferece-nos a Quaresma, “sinal sacramental da nossa conversão”, que anuncia e torna possível voltar ao Senhor de todo o coração e com toda a nossa vida.

Com a presente mensagem desejo, este ano também, ajudar toda a Igreja a viver, neste tempo de graça, com alegria e verdade; faço-o deixando-me inspirar pela seguinte afirmação de Jesus, que aparece no evangelho de Mateus: “Porque se multiplicará a iniquidade, vai resfriar o amor de muitos” (24, 12).

Esta frase situa-se no discurso que trata do fim dos tempos, pronunciado em Jerusalém, no Monte das Oliveiras, precisamente onde terá início a paixão do Senhor. Dando resposta a uma pergunta dos discípulos, Jesus anuncia uma grande tribulação e descreve a situação em que poderia encontrar-se a comunidade dos crentes: à vista de fenômenos espaventosos, alguns falsos profetas enganarão a muitos, a ponto de ameaçar apagar-se, nos corações, o amor que é o centro de todo o Evangelho.

Os falsos profetas

Escutemos este trecho, interrogando-nos sobre as formas que assumem os falsos profetas?

Uns assemelham-se a “encantadores de serpentes”, ou seja, aproveitam-se das emoções humanas para escravizar as pessoas e levá-las para onde eles querem. Quantos filhos de Deus acabam encandeados pelas adulações dum prazer de poucos instantes que se confunde com a felicidade! Quantos homens e mulheres vivem fascinados pela ilusão do dinheiro, quando este, na realidade, os torna escravos do lucro ou de interesses mesquinhos! Quantos vivem pensando que se bastam a si mesmos e caem vítimas da solidão!

Outros falsos profetas são aqueles “charlatães” que oferecem soluções simples e imediatas para todas as aflições, mas são remédios que se mostram completamente ineficazes: a quantos jovens se oferece o falso remédio da droga, de relações passageiras, de lucros fáceis mas desonestos! Quantos acabam enredados numa vida completamente virtual, onde as relações parecem mais simples e ágeis, mas depois revelam-se dramaticamente sem sentido! Estes impostores, ao mesmo tempo que oferecem coisas sem valor, tiram aquilo que é mais precioso como a dignidade, a liberdade e a capacidade de amar. É o engano da vaidade, que nos leva a fazer a figura de pavões para, depois, nos precipitar no ridículo; e, do ridículo, não se volta atrás. Não nos admiremos! Desde sempre o demônio, que é “mentiroso e pai da mentira” (Jo 8, 44), apresenta o mal como bem e o falso como verdadeiro, para confundir o coração do homem. Por isso, cada um de nós é chamado a discernir, no seu coração, e verificar se está ameaçado pelas mentiras destes falsos profetas. É preciso aprender a não se deter no nível imediato, superficial, mas reconhecer o que deixa dentro de nós um rasto bom e mais duradouro, porque vem de Deus e visa verdadeiramente o nosso bem.

Um coração frio

Na Divina Comédia, ao descrever o Inferno, Dante Alighieri imagina o diabo sentado num trono de gelo; habita no gelo do amor sufocado. Interroguemo-nos então: Como se resfria o amor em nós? Quais são os sinais indicadores de que o amor corre o risco de se apagar em nós?

O que apaga o amor é, antes de mais nada, a ganância do dinheiro, “raiz de todos os males” (1 Tm 6, 10); depois dela, vem a recusa de Deus e, consequentemente, de encontrar consolação n’Ele, preferindo a nossa desolação ao conforto da sua Palavra e dos Sacramentos.Tudo isto se permuta em violência que se abate sobre quantos são considerados uma ameaça para as nossas “certezas”: o bebê nascituro, o idoso doente, o hóspede de passagem, o estrangeiro, mas também o próximo que não corresponde às nossas expectativas.

A própria criação é testemunha silenciosa deste resfriamento do amor: a terra está envenenada por resíduos lançados por negligência e por interesses; os mares, também eles poluídos, devem infelizmente guardar os despojos de tantos náufragos das migrações forçadas; os céus – que, nos desígnios de Deus, cantam a sua glória – são sulcados por máquinas que fazem chover instrumentos de morte.

E o amor resfria-se também nas nossas comunidades: na Exortação apostólica Evangelii Gaudium procurei descrever os sinais mais evidentes desta falta de amor. São eles o egoísmo, o pessimismo estéril, a tentação de se isolar empenhando-se em contínuas guerras fratricidas, a mentalidade mundana que induz a ocupar-se apenas do que dá nas vistas, reduzindo assim o ardor missionário.

Que fazer?

Se porventura detestamos, no nosso íntimo e ao nosso redor, os sinais acabados de descrever, saibamos que, a par do remédio por vezes amargo da verdade, a Igreja, nossa mãe e mestra, nos oferece, neste tempo de Quaresma, o remédio doce da oração, da esmola e do jejum.

Dedicando mais tempo à oração, possibilitamos ao nosso coração descobrir as mentiras secretas, com que nos enganamos a nós mesmos, para procurar finalmente a consolação em Deus. Ele é nosso Pai e quer para nós a vida.

A prática da esmola liberta-nos da ganância e ajuda-nos a descobrir que o outro é nosso irmão: aquilo que possuo, nunca é só meu. Como gostaria que a esmola se tornasse um verdadeiro estilo de vida para todos! Como gostaria que, como cristãos, seguíssemos o exemplo dos Apóstolos e víssemos, na possibilidade de partilhar com os outros os nossos bens, um testemunho concreto da comunhão que vivemos na Igreja. A este propósito, faço minhas as palavras exortativas de São Paulo aos Coríntios, quando os convidava a tomar parte na coleta para a comunidade de Jerusalém: “Isto é o que vos convém” (2 Cor 8, 10). Isto vale de modo especial na Quaresma, durante a qual muitos organismos recolhem coletas a favor das Igrejas e populações em dificuldade. Mas como gostaria também que no nosso relacionamento diário, perante cada irmão que nos pede ajuda, pensássemos: aqui está um apelo da Providência divina. Cada esmola é uma ocasião de tomar parte na Providência de Deus para com os seus filhos; e, se hoje Ele Se serve de mim para ajudar um irmão, como deixará amanhã de prover também às minhas necessidades, Ele que nunca Se deixa vencer em generosidade?

Por fim, o jejum tira força à nossa violência, desarma-nos, constituindo uma importante ocasião de crescimento. Por um lado, permite-nos experimentar o que sentem quantos não possuem sequer o mínimo necessário, provando dia a dia as mordeduras da fome. Por outro, expressa a condição do nosso espírito, faminto de bondade e sedento da vida de Deus. O jejum desperta-nos, torna-nos mais atentos a Deus e ao próximo, reanima a vontade de obedecer a Deus, o único que sacia a nossa fome.

Gostaria que a minha voz ultrapassasse as fronteiras da Igreja Católica, alcançando a todos vós, homens e mulheres de boa vontade, abertos à escuta de Deus. Se vos aflige, como a nós, a difusão da iniquidade no mundo, se vos preocupa o gelo que paralisa os corações e a ação, se vedes esmorecer o sentido da humanidade comum, uni-vos a nós para invocar juntos a Deus, jejuar juntos e, juntamente conosco, dar o que puderdes para ajudar os irmãos!

O fogo da Páscoa

Convido, sobretudo os membros da Igreja, a empreender com ardor o caminho da Quaresma, apoiados na esmola, no jejum e na oração. Se por vezes parece apagar-se em muitos corações o amor, este não se apaga no coração de Deus! Ele sempre nos dá novas ocasiões, para podermos recomeçar a amar.

Ocasião propícia será, também este ano, a iniciativa “24 horas para o Senhor”, que convida a celebrar o sacramento da Reconciliação num contexto de adoração eucarística. Em 2018, aquela terá lugar nos dias 9 e 10 de março – uma sexta-feira e um sábado –, inspirando -se nestas palavras do Salmo 130: “Em Ti, encontramos o perdão” (v. 4). Em cada diocese, pelo menos uma igreja ficará aberta durante 24 horas consecutivas, oferecendo a possibilidade de adoração e da confissão sacramental.

Na noite de Páscoa, reviveremos o sugestivo rito de acender o círio pascal: a luz, tirada do “lume novo”, pouco a pouco expulsará a escuridão e iluminará a assembleia litúrgica. “A luz de Cristo, gloriosamente ressuscitado, nos dissipe as trevas do coração e do espírito”, para que todos possamos reviver a experiência dos discípulos de Emaús: ouvir a palavra do Senhor e alimentar-nos do Pão Eucarístico permitirá que o nosso coração volte a inflamar-se de fé, esperança e amor.

Abençoo-vos de coração e rezo por vós. Não vos esqueçais de rezar por mim.

Francisco