domingo-de-ramosA Quaresma aproxima-se do fim. No próximo domingo vamos celebrar o Domingo de Ramos e iniciar a Semana Santa. Nela nós celebramos os grandes e os mais santos mistérios de nossa salvação. Desde os primórdios da Igreja, a Semana Santa foi celebrada pelos cristãos. No entanto, os primeiros testemunhos escritos que temos são do século IV.

Nesta época, conforme o relato de uma monja espanhola, que peregrinou para a Terra Santa, em Jerusalém as celebrações começavam com o Domingo de Ramos. A uma hora da tarde o povo se reunia e celebrava durante toda a tarde, entrando, inclusive, na noite. De segunda a quarta-feira, as celebrações aconteciam ao cair da tarde. Na quinta-feira celebravam-se duas missas, uma delas no Gólgota, onde Cristo morrera. Esta particularidade mostra o nexo entre a instituição da Ceia eucarística e a oblação de Jesus na cruz. Na sexta-feira, bem de manhã a comunidade se reunia e descia ao Getsemani para celebrar. Em seguida ia em procissão até o Calvário. De volta para casa, as pessoas passavam diante da coluna da flagelação e faziam suas orações pessoais. À tarde voltavam ao Gólgota e faziam a adoração da Cruz. Alguns fiéis e o clero permaneciam em vigília até sábado de manhã. Sábado era um dia silencioso. Preparava-se apenas a vigília que acontecia à noite. Durante a vigília se celebravam o batismo, a crisma e a eucaristia dos catecúmenos preparados durante três anos.

Ainda hoje o esquema das celebrações da Semana Santa se parece muito com o esquema do século IV. Também em nossos dias, a Semana Santa começa com o Domingo de Ramos que, no Missal promulgado depois do Concilio Vaticano II, passou a se chamar Domingo de Ramos da Paixão do Senhor.Neste domingo celebramos a solene entrada de Jesus em Jerusalém. Para a fé cristã, Jerusalém é o lugar de encontro com Deus. O povo cristão por esta celebração se reúne em torno do Messias e se coloca neste espaço de fé e de conversão.

De segunda a quarta-feira, além das celebrações de todos os dias, não se faz nada de especial.

Na Quinta-feira celebra-se de manhã a missa em que se consagra o óleo da Crisma e se abençoa o óleo dos catecúmenos e o óleo dos enfermos. À noite celebra-se a Missa da Ceia do Senhor. Nela se faz a cerimônia do lava-pés e se comemora a instituição dos sacramentos da Eucaristia e da Ordem sacerdotal.

Na Sexta-feira, ao lado da austera celebração da Paixão e morte do Senhor, às três horas da tarde, a piedade popular desenvolveu muitas outras devoções, entre as quais, se sobressai a “Via-Sacra”, que nada mais é do que a dramatização da Paixão do Senhor.

No Sábado, diz o Missal Romano, a Igreja permanece junto do sepulcro do Senhor, meditando sua paixão e morte. É costume dizer que o Sábado Santo é um dia “alitúrgico”, mas não é exato falar assim, pois neste dia do Tríduo Pascal, celebra-se não somente a liturgia das horas, mas o dia em si mesmo é uma grande celebração. O permanecer em silêncio neste dia, por exemplo, significa ficar em casa com as santas mulheres, rodeando Maria e consolando a sua dor.

papa francisco vigilia pascalA Vigília de sábado à noite é, ou deveria ser, muito bonita. Foi chamada por Santo Agostinho de “Mãe de todas as vigílias”. Ficar acordado nesta noite significa reavivar nossa fé na ressurreição. Assim como estamos vencendo o sono que é imagem da morte, haveremos de vencer a própria morte. Nesta vigília distingue-se, de forma bem distinta quatro liturgias: a liturgia da luz, a liturgia da palavra, a liturgia batismal e a liturgia eucarística. A liturgia da luz com a bênção do fogo novo e a entrada na igreja com o Círio pascal recorda-nos que Cristo ressuscitado é nossa luz e luz do mundo. A liturgia da palavra pretende dar uma visão sintética e global da história da salvação conquistada em plenitude com a ressurreição do Senhor. A liturgia batismal consiste na bênção da água e, se for oportuno, no batismo de alguns adultos ou crianças. No início do cristianismo o batismo se realizava na noite de páscoa porque com batismo, como diz S. Paulo, nós sofremos com Cristo, morremos com ele, somos sepultados com ele e ressuscitamos com ele. A liturgia eucarística, mais do que em outras oportunidades, vem nos lembrar que quem come o corpo e o sangue do Senhor terá a vida eterna e ressuscitará com ele no dia do juízo.

Como podemos ver a Semana Santa é muito rica em seu conteúdo teológico e espiritual. Aproveitemos, por isso, deste tesouro que nos é proposto, participando de todas as celebrações desta semana e tenhamos uma feliz Páscoa.

Dom Manoel João Francisco
Administrador Apostólico da Arquidiocese de Londrina
Bispo da Diocese de Cornélio Procópio

Dia 24 de março, sexta feira, completar-se-ão 37 anos do martírio de Dom Oscar Romero, Arcebispo de El Salvador, beatificado pelo Papa Francisco em 23 de maio de 2015. Espera-se agora a sua canonização, ou seja, a declaração de que poderá ser venerado como santo no mundo inteiro. Neste sentido, o atual Arcebispo de El Salvador, Dom Gregório Rosa Chavez, juntamente com os demais bispos salvadorenhos, aproveitou o encontro que teve com o Papa Francisco, no último dia 20 de março, para falar sobre um milagre atribuído à intercessão de Dom Romero e pedir que seja declarado santo o quanto antes. Em sua bagagem, Dom Gregório levou inclusive uma carta do Presidente de El Salvador ao Papa, apoiando o pedido. A data da canonização poderá ser agosto deste ano, centésimo aniversario de seu nascimento. Outra possibilidade seria a Jornada Mundial da Juventude que vai acontecer em 2019 no Panamá.

A morte de Dom Romero foi conseqüência da opção que fez: ser pastor com o cheiro das ovelhas e defensor de seu povo. Sua arma foi a Palavra. Em suas homilias condenou a idolatria da riqueza, que no dizer de seu amigo e confidente, o teólogo Jon Sobrino, é como um fio de alta tensão: queima e geralmente mata quem o toca.

No domingo, dia 23 de março de 1980, um dia antes de ser morto, presidiu a Eucaristia na catedral superlotada de fiéis. Era o 5º domingo da Quaresma. Na homilia comentou que a “Quaresma é um chamamento para celebrar nossa redenção no difícil complexo de cruz e de vitória. Nosso povo, disse ele, atualmente está bem preparado para esta celebração. Todo o nosso ambiente nos fala de cruz. Porém, os que têm fé e esperança cristã sabem que por trás deste calvário que vive nosso país de El Salvador, está nossa Páscoa, nossa ressurreição. Essa é a esperança do povo cristão”.

Mais adiante na mesma homilia falou: “Durante estes Domingos da Quaresma, procurei ir descobrindo na revelação divina, na Palavra proclamada aqui na missa, o projeto de Deus para salvar os povos e os homens. Hoje, quando surgem diversos projetos históricos para nosso povo, podemos afirmar: terá vitória aquele que refletir melhor o projeto de Deus. (…). Por isso ninguém leve a mal, se à luz da Palavra divina lida em nossa missa, iluminamos as realidades sociais, políticas, econômicas, porque se não fizermos assim, não estaremos pregando o verdadeiro cristianismo. Foi assim que Cristo quis encarnar-se, para fazer-se luz e vida dos homens e dos povos”.

No final da homilia, fazendo aplicação prática da Palavra de Deus para o momento de então, foi contundente.  Depois de relatar o catálogo de barbárie da semana que passara, com execuções extrajudiciais pelo exército, conclamou os soldados à desobediência civil e exigiu que deixassem de matar os próprios irmãos.

“Gostaria de fazer uma chamada, de maneira especial, aos homens do Exército, concretamente às bases da Guarda Nacional, da Polícia e dos Quartéis.(…)

romero america 1
Dom Romero

Diante da ordem de matar dada por um homem, deve prevalecer a Lei de Deus que diz: Não matar… Nenhum soldado está obrigado a obedecer a uma ordem contra a Lei de Deus. Uma lei imoral, ninguém tem de cumpri-la. Já é tempo de recuperarem sua consciência e obedecerem antes à sua consciência do que à ordem do pecado.(…). Queremos que o Governo leve a sério que de nada servem as reformas se estão manchadas com tanto sangue. Em nome de Deus, pois, e em nome deste povo sofrido, cujos lamentos sobem até o céu, cada dia mais tumultuosos, suplico-lhes, rogo-lhes, ordeno-lhes: PAREM A REPRESSÃO!”. Neste momento, segundo o testemunho do reverendo Wiliam Wipfler, padre da Igreja anglicana, presente na celebração, a catedral rompeu em aplausos que duraram quase meio minuto, o mais longo dos 21 aplausos que interromperam a homilia daquele dia.

Sem dúvida, esta homilia foi a gota d´água. Por isso, no dia seguinte

Dom Romero foi morto, na capela da Divina Providência do Hospital do Câncer, em El Salvador. Um franco atirador, contratado pelas Forças de Segurança Nacional de seu país, o alvejou com uma única bala.

Desde sua morte, o sensus fidei de boa parte dos católicos latino-americanos canonizou Dom Romero com o título de “São Romero da América”. Trinta e sete anos depois, o processo de canonização parece chegar ao fim, oficializando o que o “instinto sobrenatural” dos fiéis já havia feito.

De todo o coração, demos graças a Deus.
São Romero da América, rogai por nós!

Dom Manoel João Francisco
Administrador Apostólico da Arquidiocese de Londrina
Bispo da Diocese de Cornélio Procópio

A Quaresma tem sua origem nos quarenta dias de preparação imediata dos catecúmenos ao batismo na noite de Páscoa e à reconciliação dos penitentes na Quinta feira Santa pela parte da manhã. Quando o batismo de crianças se generalizou e a penitência pública se transformou em penitência privada, a Quaresma passou a ser, para todos os cristãos já batizados, um tempo de revisão de vida. Ainda hoje, expressam esta disposição, assumindo as práticas penitenciais, antes praticadas pelos catecúmenos e pelos penitentes. Durante, ou mais no final da Quaresma, celebram o sacramento da confissão e na vigília pascal renovam as promessas batismais.

No próximo domingo, o terceiro da Quaresma, as leituras nos remetem para o tema da água, símbolo principal do batismo, e também da confissão, pois como lembra Santo Ambrósio, a pecadora do Evangelho se purificou dos pecados lavando os pés de Jesus com a água de suas lágrimas (A Penitência, II, 8,66).

A primeira leitura colocava diante dos olhos e do coração dos catecúmenos e dos penitentes, e hoje diante de nossos olhos, a trágica história do povo de Israel que, em Meribá e em Massa, provocou o Senhor, apesar de ter presenciado tantas maravilhas de Deus em seu favor. Este acontecimento marcou profundamente a história e a espiritualidade do povo. É recordado em diversos textos do Antigo Testamento:

“Tentaram a Deus no seu coração, pedindo comida segundo seu capricho. Falaram contra Deus dizendo: Será que Deus pode preparar uma mesa no deserto? Eis que bateu na rocha, escorreram águas e as torrentes transbordaram” (Sl 78,18-20). “Vinde, exultemos no Senhor, aclamemos o Rochedo que nos salva” (Sl 94,1). “Eles nunca passaram sede, mesmo quando os conduzia pelo deserto. Para eles tirou água de uma pedra: bateu na pedra e a água correu” (Is 48,21).

No Novo Testamento, São Paulo se refere a este texto com o seguinte comentário: “Todos beberam da mesma bebida espiritual; de fato, bebiam de uma rocha espiritual que os acompanhava. Essa rocha era o Cristo. (…) Esses acontecimentos se tornaram símbolo para nós, a fim de não desejarmos coisas más, como eles desejaram” (1Cor 10,4.6).

No Evangelho, Jesus também se refere a este episódio quando no último dia da grande festa dos Tabernáculos gritou para a multidão, dizendo: “Se alguém tem sede, venha a mim, e beba. Quem crê em mim, conforme diz a Escritura, do seu interior correrão rios de água viva. Ele disse isso falando do Espírito que haviam de receber os que acreditassem nele” (Jo 7, 37-39). Com certeza, no diálogo com a samaritana, ao dizer: “Quem beber da água que eu darei, nunca mais terá sede, porque a água que eu darei se tornará nele uma fonte de água jorrando para a vida eterna” (Jo 4,14), também se referia a esta mesma passagem da água que brotou da rocha quando os judeus murmuraram contra Deus no deserto.

No livro do Apocalipse, as fontes de água formam parte da visão do céu: “O Cordeiro que está no meio do trono será o seu pastor e os conduzirá às fontes da água vivificante” (Apc 7,17). “A quem tiver sede, eu darei, de graça, da fonte da água vivificante” (Apc 21,6; cf. 22,17).

Em sua liturgia, a Igreja vê nesta água, que saia da rocha. a água do batismo e as lágrimas da penitência.

Neste terceiro domingo da Quaresma, ainda hoje, os que se preparam para receber o batismo na Vigília Pascal realizam o que o ritual chama de primeiro escrutínio.

Escrutínio é uma oração de exorcismo que prepara o candidato para receber o Espírito Santo no batismo. Todo o rito deste primeiro escrutínio está relacionado com o encontro de Jesus com a samaritana no poço de Jacó. Como exemplo, citemos apenas a oração principal: “Pai de misericórdia, por vosso Filho vos compadecestes da samaritana e, com a mesma ternura de Pai, oferecestes a salvação a todo o pecador. Olhai em vosso amor estes eleitos que desejam receber, pelos sacramentos, a adoção de filhos: que eles, livres da servidão do pecado recebam o suave jugo de Cristo. Protegei-os em todos os perigos, a fim de que vos sirvam fielmente na paz e na alegria e vos rendam graças para sempre. Por Cristo, nosso Senhor. Amém” (RICA 164).

 Com certeza, neste terceiro domingo da Quaresma, a Igreja pretende alertar, no início aos catecúmenos, hoje a todos os cristãos, para as dificuldades que, como pessoas de fé, deverão enfrentar. Aos penitentes do início e de hoje, deseja suscitar a confiança no poder misericordioso de Deus. Assim como foi capaz de tirar água da rocha, poderá também, de seus corações empedernidos pelo pecado, fazer correr rios de água viva. 

dom manoel 1Dom Manoel João Francisco
Administrador Apostólico da Arquidiocese de Londrina
Bispo de Cornélio Procópio

Há 53 anos a Igreja católica do Brasil realiza, durante o período da Quaresma, a Campanha da Fraternidade. Cada ano chama a atenção, em primeiro lugar dos católicos, em segundo lugar de todas as pessoas de boa vontade, para um tema de interesse comum. Neste ano, o tema é: “biomas brasileiros e defesa da vida”. A reflexão terá como mote inspirador a frase: “Cultivar e guardar a criação” (Gn 2,15).

Para muita gente este tema causou surpresa. Perguntaram-se: “O que a fraternidade tem a ver com os biomas brasileiros? Alguns até acharam que a Igreja, ao propor este tema, estava fugindo de problemas mais urgentes e candentes, tais como a saúde do povo.

Sem querer tomar a defesa da CNBB, desejo apenas dizer aos irmãos e irmãs preocupados com o tema da saúde, que defender os biomas, além de tantos outros direitos do ser humano, é defender a saúde das pessoas, especialmente daquelas que com freqüência são esquecidas e excluídas.

John Knox, especialista independente da ONU, afirma que o direito a alimentação, saúde, água e vida dependem da biodiversidade, cada vez mais ameaçada pela destruição de habitats naturais, ou seja, dos biomas, pela caça ilegal, pelo desmatamento e pelas mudanças climáticas.

“As pessoas não podem gozar de seus direitos humanos, entre eles o da saúde, sem os serviços que ecossistemas saudáveis fornecem”.

Eliminar a biodiversidade também destrói fontes potenciais de substancias medicamentosas e terapêuticas, além de aumentar a exposição a algumas doenças infecciosas e restringir o desenvolvimento do sistema imunológico humano.

Dois estudos da OMS divulgados no domingo passado, dia 05, afirmam que 1,7 milhão de crianças com menos de cinco anos morrem no mundo por causa de problemas ligados à poluição ambiental, ou seja, ao descuido com os biomas. Cerca de 15,5% dessas mortes foram por causa de infecções respiratórias e pneumonia. As mudanças climáticas, com a elevação das temperaturas e das emissões de gases causadores do efeito estufa, favorecem o aumento do pólen, associado ao aumento dos casos de asmas.

“Um ambiente poluído é mortal, principalmente para as crianças com pouca idade. Elas são mais vulneráveis em razão do desenvolvimento de seus órgãos e sistema imunológico e das vias respiratórias” afirmou Margaret Chan, diretora geral da OMS.

Um dos primeiros elementos da natureza a sentir o efeito da poluição é a água. Mil crianças morrem por dia por doenças relacionadas com a água. “Investir na eliminação de riscos ambientais à saúde, como melhorar a qualidade da água resultará em benefícios maciços” afirma Maria Neira, diretora do departamento de saúde pública da OMS. Como se pode ver o alerta está vindo de autoridades ligadas à saúde. A Igreja, na sua missão de defender a vida, apenas faz eco a esta preocupação. No entanto, parece que continuamos surdos. Em uma de suas últimas exortações, o Papa Francisco, como que falando para si mesmo, dizia: “Questiono-me se não estamos rumando para uma grande guerra mundial pela água. Nosso compromisso de dar à água o seu devido lugar depende do desenvolvimento de uma cultura do cuidado – o que pode soar poético, mas tudo bem, porque a criação é um poema”.

Outro problema muito relacionado com os biomas e com a saúde é o descarte que fizemos do lixo em geral, especialmente do plástico. Pesquisas revelam que as diversas formas assumidas pelo plástico, seja presente em garrafas PET ou nas fraldas descartáveis, levam cerca de 450 anos para se decompor na natureza.  A maior parte do plástico produzido no mundo não é reutilizada e é descartada de forma inadequada, poluindo a terra e principalmente a água, tanto de rios como de oceanos. Segundo o Professor Reinaldo Dias da Universidade Makensie, nós estamos inviabilizando a vida marinha e sua diversidade, com conseqüências sérias para a saúde humana.

O professor Reinaldo Dias é de opinião que precisamos entender que dependemos totalmente da natureza. Não há um único material em nossas casas e cidades que não tenha origem natural. Esse distanciamento da cultura humana em relação à natureza deve ser combatido, pois não criamos um mundo artificial que independe do natural. Eles são interdependentes e temos que realizar um intenso trabalho de educação ambiental para que todos os humanos compreendam isso.

Aqui, de novo, temos a palavra esclarecedora do Papa Francisco: “Se cada um contribuir, nós estaremos colaborando para tornar a nossa casa comum um lugar mais habitável e fraterno, onde ninguém seria rejeitado ou excluído, mas todos teriam acesso aos bens necessários para viver e crescer com dignidade”.

Dom Manoel João Francisco
Administrador Apostólico da Arquidiocese de Londrina
Bispo de Cornélio Procóopio

No início da Igreja, os cristãos, com seu estilo de vida, apareciam como sendo diferentes e até estranhos às demais pessoas da sociedade. Uma carta anônima, daquela época, dirigida Diogneto, faz a seguinte descrição: “Não se distinguem os cristãos dos demais, nem pela região, nem pela língua, nem pelos costumes. Não habitam cidades à parte, não empregam idioma diverso dos outros, não levam gênero de vida extraordinário. A doutrina que se propõem não foi excogitada solicitamente por homens curiosos. Não seguem opinião humana alguma, como vários fazem. Moram alguns em cidades gregas, outros em bárbaras, conforme a sorte de cada um; seguem os costumes locais relativamente ao vestuário, à alimentação e ao restante estilo de viver, apresentando um estado de vida (político) admirável e sem dúvida paradoxal. Moram na própria pátria, mas como peregrinos. Enquanto cidadãos, de tudo participam, porém tudo suportam como estrangeiros. Toda terra estranha é pátria para eles e toda pátria, terra estranha. Casam-se como todos os homens e como todos procriam, mas não rejeitam os filhos. A mesa é comum; não o leito. Estão na carne, mas não vivem segundo a carne. Se a vida deles decorre na terra, a cidadania, contudo, está nos céus. Obedecem as leis estabelecidas, todavia superam-nas pela vida. Amam a todos e por todos são perseguidos. Desconhecidos, são condenados. São mortos e com isso se vivificam. Pobres, enriquecem a muitos. Tudo lhes falta, e têm abundância de tudo. Tratados sem honras, e nestas desonras são glorificados. São amaldiçoados, mas justificados. Amaldiçoados, e bendizem. Injuriados, tributam honras. Fazem o bem e são castigados quais malfeitores. Supliciados, alegram-se como se obtivessem vida. Hostilizam-nos os judeus quais estrangeiros; perseguem-nos os gregos, e, contudo, os que os odeiam não sabem dizer a causa desta inimizade”.

Esta singularidade de estilo de vida não nascia do nada. Era fruto de um longo e duro tirocínio, com provas muito severas, chamado catecumenato. Na proximidade da Páscoa as provas e os exercícios se tornavam ainda mais severos.

Muitos, no entanto, depois de batizados e de ter fugido das imundícies do mundo pelo conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo, de novo eram seduzidos e se deixavam vencer por elas. Como o cão voltavam a comer do próprio vômito e como a porca lavada tornavam a revolver-se na lama (2Pd 2,20-22).

Se por acaso quisessem voltar à singular vida dos cristãos, deviam fazer parte de um grupo específico, chamado Ordem dos Penitentes, onde os exercícios e provas eram mais exigentes e mais severas do que no processo do catecumenato.

A partir do século II, por solidariedade aos penitentes e aos catecúmenos, os demais cristãos, na proximidade da Páscoa, começaram, também eles, a fazer os mesmos exercícios e as mesmas provas. Estão aí os primeiros esboços da Quaresma. No início do século IV, no Oriente e, no final do mesmo século, no Ocidente, já encontramos a Quaresma estruturada em 40 dias como hoje.

O Concílio Vaticano II desejando “fomentar sempre mais a vida cristã entre os fiéis” (SC 1) recomenda o seguinte: “Tanto na liturgia quanto na catequese litúrgica esclareça-se melhor a dupla índole do tempo quaresmal, principalmente pela lembrança ou preparação do batismo e pela penitência, fazendo os fiéis ouvirem com mais freqüência a Palavra de Deus e entregarem-se à oração,  (…). Por isso, utilizem-se com mais abundância os elementos batismais próprio da liturgia quaresmal; (…). Diga-se o mesmo dos elementos penitenciais. Quanto à catequese, seja inculcada na alma dos fiéis, juntamente com as conseqüências sociais do pecado, a natureza própria da penitência que detesta o pecado como ofensa feita a Deus” (SC 109).

Atenta a esta orientação do Concílio Vaticano II, a Igreja no Brasil há 53 anos celebra na Quaresma a Campanha da Fraternidade, onde cada ano reflete e propõe a conversão de um pecado social.

Neste ano, teremos diante dos olhos, a proposta da defesa da vida, a partir de um melhor conhecimento sobre os biomas brasileiros. Na nossa reflexão seremos iluminados pelo lema: “cultivar e guardar a criação”.

Alguém poderá objetar dizendo que este tema não tem nada a ver com a moral, muito menos com nossa fé cristã. Neste sentido é bom lembrar o Papa Bento XVI que em sua carta encíclica Caritas in Veritate enfatiza que “a Igreja tem uma responsabilidade pela criação e deve fazer valer essa responsabilidade também em público. E, ao fazer isso, deve defender a terra, a água e o ar como dons da criação que pertencem a todos (CV 61). E o Papa Francisco em sua carta encíclica Laudato Sì, afirma: “A interdependência das criaturas é querida por Deus. (…). Nenhuma criatura se basta a si mesma. Elas só existem na dependência umas das outras, para se completarem mutuamente no serviço umas das outras” (LS 69).

Dom Manoel João Francisco
Administrador Apostólico da Arquidiocese de Londrina
Bispo da Diocese de Cornélio Procópio

marieke-vervoort

Durante as paraolimpíadas no Rio de Janeiro, no ano passado, a paraatleta belga Marieke Vervoort chamou a atenção da imprensa nacional e internacional por ter declarado que já havia programado sua morte após a competição. Ela sofre de uma grave doença degenerativa e as leis da Bélgica autorizam a eutanásia.

Talvez muitos de nós ainda não saibamos de forma clara o que vem a ser eutanásia e a confundamos com outros procedimentos como a ortotanásia e a distanásia, por exemplo.

Pois bem, eutanásia consiste na prática de pôr fim à vida de pessoas deficientes, doentes ou moribundas. Muitas pessoas defendem a eutanásia dizendo que se trata de motivos humanitários e de compaixão, e que toda pessoa tem direito à uma morte digna e boa. De fato a palavra eutanásia na sua origem significa “morte boa”.  Mas é exatamente à sombra de confusões semânticas que muitas pessoas se aproveitam para defender a legalização desta prática desumana e imoral. Toda ação ou omissão que, em si ou na intenção gera a morte, mesmo que seja para suprimir a dor e o sofrimento, constitui um assassinato gravemente contrário à dignidade da pessoa humana e ao respeito pelo Deus vivo, seu criador. A presunção de que alguém está sofrendo muito ou virá a sofrer, diz respeito muito mais aos que cercam a pessoa que está doente. Eles  sim, é que não se sentem confortáveis assistindo alguém sofrendo. Hoje a medicina tem recursos suficientemente capazes de reduzir, a níveis bastante aceitáveis, as dores físicas. Quanto às dores morais, muitas vezes, bem mais intensas do que as físicas, essas dizem respeito à assistência que o enfermo recebe. Há pessoas que pedem a eutanásia por estarem sofrendo muito e, quando passam a receber uma genuína e compassiva atenção, já não querem morrer. Soma-se a isto o fato de que, algumas vezes existem grandes interesses na morte de alguém. Uma herança a ser dividida pode levar parentes a se tornarem extremamente “misericordiosos”, solicitando então a eutanásia.

O tristemente famoso doutor “morte”, nos EE.UU, tornou-se um paradigma da eutanásia. Criando uma parafernália que nada mais era do que um sistema de administração de produtos mortíferos por ele preparados, mas acionado pelo paciente – como se isso atenuasse a sua própria responsabilidade naquelas mortes –foi investigado, verificando-se que alguns pacientes nem sequer eram portadores de doenças terminais. Verificou-se também, que o tal doutor beneficiou-se de “doações” financeiras destas vítimas.

Nós cristãos precisamos defender a vida. Por isso condenamos a eutanásia. Sejam quais forem os motivos e meios, esta prática é sempre moralmente inadmissível.

Desligar aparelhos que prolongam artificialmente uma vida vegetativa não é eutanásia. Também não é eutanásia interromper procedimentos médicos onerosos, perigosos, extraordinários ou desproporcionais aos resultados esperados. Igualmente não é eutanásia administrar medicamentos analgésicos e sedativos com o único objetivo de aliviar a dor do enfermo, sabendo-se contudo que, como efeito colateral poderá ocorrer a morte.  Com estes atos não se quer de maneira nenhuma provocar a morte. Aceita-se apenas o fato de não poder evitá-la. A estes procedimentos se dá o nome de ortotanásia. Foi o que aconteceu com o Papa, São João Paulo II. Ele mesmo, percebendo que o momento de voltar para a casa do Pai chegara, pediu que fossem suspensos os procedimentos que o estavam mantendo vivo.

Se é imoral e pecado antecipar a própria morte ou a de outra pessoa, é também imoral e pecado prolongar a vida de alguém que não tem mais nenhuma chance de sobreviver. Este procedimento se chama distanásia ou tratamento fútil.

Para concluir esta breve reflexão, lembro três princípios que devem orientar, todos nós cristãos, seguidores de Cristo, defensor da vida:

Toda a vida humana tem inevitavelmente um fim aqui na terra;
É fundamental assegurar que este fim ocorra com dignidade;
Nem tudo que é tecnicamente possível é eticamente correto.

dom manoel 1
Dom Manoel João Francisco
Administrador Apostólico da Arquidiocese de Londrina