Ao comemorar 89 anos de vida, o padre Chiquinho fala ao JC sobre sua resposta à vocação que o Senhor lhe deu
Quando a equipe do JC chegou à Paróquia Nossa Senhora de Nazaré, no Conjunto Parigot de Souza 3, uns minutos antes do combinado, o padre Francisco, conhecido por todos como Chiquinho, já nos esperava para a entrevista. Logo chega o pároco padre Emerson José da Silva, ambos palotinos, a quem padre Chiquinho entrega umas roupas e um relógio para doação. Nos dirigimos à sala para começar a entrevista sugerida pelo padre Emerson. E é o próprio padre Francisco quem começa os questionamentos para si próprio: “Primeira pergunta: Quantos anos tem? 89. Segunda pergunta: pai e mãe já morreu? Já. Quantos anos de sacerdócio? 62, 15 de julho, 1956, na Matriz de Londrina”, descreve.
A paróquia, local da entrevista, é a vida do padre Chico, explica padre Emerson, onde ele foi pároco por 22 anos e há um ano vigário. É também uma das quatro igrejas que o padre alemão construiu em Londrina. Ao JC, ele fala sobre os motivos da sua vinda para Londrina, em 1954, antes mesmo de ser ordenado sacerdote, sobre seu trabalho e sobre como vivenciou as mudanças iniciadas pelo Concílio Vaticano II. Todas elas mostram como o missionário palotino respondeu ao Senhor pela vocação que recebeu.
Como o senhor decidiu vir para o Brasil?
Era moda. Tinha excesso de padres na Alemanha na época, depois da guerra, então muita gente foi embora. África do Sul, África Central, Índia, Austrália, Brasil, EUA. Onde tinham palotinos eles foram. Todas as congregações fizeram isso. Hoje é ao contrário, hoje são os padres lá da Índia, da África que vão para a Alemanha.
Falaram sobre o Brasil e o senhor decidiu vir pra cá?
Nós éramos em oito. Terceira turma. A primeira turma veio em 52, a segunda turma em 53, nós em 54, depois vieram mais alguns.
O senhor terminou os estudos aqui no Brasil?
Terminamos em Santa Maria da Boca do Monte [Região Central do Rio Grande do Sul].
Por que veio para Londrina?
O primeiro padre de Londrina foi o padre Carlos Dietz, um palotino. O nome dele consta na ata de fundação de Londrina. Tem o nome de uma escola, a escola Padre Carlos Dietz. Então os palotinos estão no Paraná desde 1928. É uma história muito interessante. Eles saíram do Rio Grande do Sul, porque o Rio Grande do Sul tinha excesso de vocações, das colônias italianas. Os alemães não se davam muito bem com os italianos, não se davam não, depois da Primeira Guerra Mundial, os italianos não gostavam dos alemães. Os alemães se retiraram, voltaram para a Alemanha, fundaram lá a Província do Sagrado Coração de Jesus e alguns foram para São Paulo, de São Paulo para embarcar para a Alemanha. No Mosteiro São Bento estava o primeiro bispo de Jacarezinho, chamado Fernando Tadei, dom Fernando Tadei. Ele foi para São Paulo achar padres para a diocese, que era de Ourinhos até Guaíra, e encontrou os palotinos que voltariam para a Alemanha. Perguntou: vocês são de congregação? Palotinos. Ah, São Vicente Pallotti, minha avó me contava de São Vicente, ela era menina quando São Vicente Pallotti [era vivo] e beijava a mão dele. Então vieram para Jacarezinho, montaram o colégio Cristo Rei e pegaram toda aquela linha de trem. Vieram para Londrina em 1934. Então o superior me mandou para Londrina, um mês depois de dom Geraldo [Fernandes]. Dom Geraldo tomou posse em fevereiro, eu vim em março, primeiro bispo de Londrina.
Como era dom Geraldo?
Dom Geraldo era o bispo príncipe, na época era natural, bispo era uma autoridade indiscutida. Veio de Curitiba, foi conquistando a praça, um bispo muito inteligente, muito sábio, discutindo com gente grande de Londrina, prefeito, tudo mais.
As coisas eram diferentes antes do Concílio Vaticano II?
Eram. Eram príncipes. Os bispos príncipes. Depois ele foi no Concílio Vaticano, voltou, aí a Igreja entrou em confusão. Porque ninguém mais sabia de nada, como é que vai ser, como que… A gente se defendia e muitos padres saíram, você se lembra? Muitos padres. Saíram para casar, para ir embora, não tinham vocação. Em Londrina, três dos meus amigos deram tchau para o bispo, foram embora e deixaram o sacerdócio. Na época era muito crítica, uma mudança rápida, radical. Depois veio o Cursilho, dom Geraldo fez Cursilho, os leigos “bateram” nele, nos bispos, nos padres, ele ficou humilde, ficou amigo dos padres. Um grande bispo, grande amigo dos padres, até a morte, muito amigo, se converteu para ser um verdadeiro colega entre colegas, tranquilo, chamando, conversando, batendo no ombro. Já era de uma certa idade já. E daí a partir do Cursilho ele mudou completamente. Tanto que os padres antigos até hoje dizem, foi o melhor bispo de Londrina, quase como um pai. E ele sabia que os padres estavam na insegurança, se adaptando e buscando entender a Igreja, ele foi ajudando, muitas reuniões, muitos encontros, muitos retiros, muito bom.
Como vocês se adaptaram às mudanças do Concílio?
Foi gradativo. Primeiro a Liturgia da Palavra em português, na língua vernácula e a partir das oferendas até a comunhão tudo em latim. Primeiro até a Liturgia da Palavra o padre para o povo, voltado para o povo, depois virava a partir das oferendas para o altar, com as costas para o povo até a hora da comunhão. E depois aos poucos foi mudando, Roma abriu as portas para uma missa totalmente na língua vernácula e a gente se esqueceu, o povo estranhava porque o povo rezava o terço, agora o povo tinha que responder. A gente se adaptava. Lá pelo ano de 70 por aí já estava tudo caminhando.
E as pessoas gostaram dessas mudanças, da missa ser na língua delas…?
O nosso povo é muito calado, aceita qualquer coisa. Não tinha aquele entusiasmo: “Agora sim entendemos a missa! Agora somos convidados a fazer parte da missa, não ficar distante, mas parte da missa.” É, foi, o povo aceitava tranquilamente. Se volta o latim hoje, o povo aceita, nosso povo é acostumado a tudo. O que falta hoje é que os leigos, documento 105 da CNBB, que fala sobre os leigos, que os leigos assumam a sua parte na Igreja, mas isso vai levar mais 20 anos com certeza.
Como é a sua relação com Londrina, o que Londrina é para o senhor?
Foi uma história diferente porque missionário fica três anos, quatro anos vai embora. Mas eu não, não sei por que me deixaram aqui. Um absurdo! Fiquei de 1956 a 1958, dois anos na Catedral, fui para São Paulo fazer licenciatura em Teologia. Voltei, andei em algumas paróquias, Presidente Prudente, Indiana, na Soracabana, naquela linha, Curitiba também, três anos. Voltei para Londrina em 1964, na Rainha dos Apóstolos, quatro anos, depois em 1968 voltei para a Alemanha fazer visita, voltei, fui para a Catedral ajudar lá, tinha a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras no Hugo Simas, então adaptei meus estudos da Alemanha, fiz adaptação às leis da escolaridade brasileira, fiz vestibular e entrei na Faculdade de Ciências, licenciatura em Ciências, para ser professor.
O senhor deu aulas muitos anos?
É, eu sou professor aposentado pelo Estado. Dei aula no Champagnat e depois no Moraes [de Barros] muitos anos e até aposentar. Em 1994 aposentei.
E o senhor gostava de dar aula?
Nossa, naquele tempo era o auge dos movimentos juvenis, quase todo final de semana tinha no colégio encontro da juventude, chamava-se Dia da Verdade, e na Páscoa iam os padres lá para confessar, movimento de jovens na diocese que era espantoso. Em Curitiba também tinham sacerdotes e estudantes famosos que depois montaram grandes movimentos nas universidades federais. Eu me lembro de um encontro do Dia da Verdade dos jovens, 15 mil jovens no Moringão. Final de 70. Depois foi indo. Mas foi uma época depois do Concílio, até os anos de 80, final de 70 foi uma primavera de movimentos de jovens, todas as paróquias tinham. Nossa, foi uma explosão e os padres junto. Todo final de semana tinha encontro, a gente foi lá, ajudando a confissão, palestra, Cursilho, era o tempo do Cursilho.
A Igreja tinha mais espaço nas escolas?
Era livre, o padre era o dono da escola, escola aberta para os padres, as paróquias, tanto escolas municipais quanto estaduais. Era brilhante aquilo. Como professor de Ciências a gente dava encontros, dava aula de religião, apanhei também dos evangélicos, de todo tipo de evangélico, apanhei mesmo de oposição, dizerem que eu tava errado, a Bíblia diz isso, não tinha experiência.
E os estudantes eram na maioria católicos?
Pelo Cursilho a Igreja explodiu no meio da população. Todo mundo fez Cursilho, a juventude fez Cursilho, era moda, todo mundo entrou. Até os anos de 80, depois foi diminuindo, diminuindo, 2000 ainda foi muito bom.
Conta aquele pedido que dom Geraldo fez para o senhor construir a igreja para cá.
Em 79 Belinati [Antônio] começou a fazer os Cinco Conjuntos, eu era pároco da Rainha dos Apóstolos e um dia o dom Geraldo saiu do banco, aquele banco na esquina da catedral, hoje não é mais banco. E eu estava subindo ele falou: Chiquinho vem cá, estamos organizando a pastoral lá nos Cinco Conjuntos, agora é tudo novo lá, então você vai assumir um conjunto lá. Tudo bem. Vai assumir o Conjunto Luís de Sá. Falei: Não, Luís de Sá não vou, eu vou no Vivi porque lá mora um amigo meu, que morava na Rua Porto Alegre, o José Fernandes, ele mudou para o Vivi e eu vou atrás dele para nós iniciarmos a pastoral. Então tá bom, vou lhe dar 10 mil cruzeiros para iniciar a igreja. Mas você faz uma capela porque eu vou fazer no centro, no alto, vou fazer uma grande matriz, então você faz uma capela já está bom. Fiz uma capela, igrejinha pequena, no Vivi, Paróquia São Vicente Pallotti e São Judas Tadeu. E o padre Ernesto fez no Parigot 2, a capela de José de Anchieta beato. Porque o João Paulo II beatificou o José de Anchieta então a primeira iniciativa que dom Geraldo tomou foi: Ernesto vem cá, ele era pároco da catedral, você faz uma capela em louvor ao beato José de Anchieta lá no Parigot 2. Tá bom. Ele fez. Eu fiz no Vivi, ele fez no Parigot 2. Era capela, depois não deu certo o projeto da grande matriz no centro e ficou nisso. Depois foi dom Geraldo Majella que me chamou e disse: É, a Cohab está oferecendo um terreno no Parigot 3 e vocês palotinos já têm o Vivi, já têm o Parigot 2, vocês vão assumindo, então eu fui. O seu Luis Pielarice era o presidente da Cohab, ele me chamou e disse: escuta, nós temos que leiloar esse terreno, 2,1 mil metros, mas eu vou dar um jeito, ele era vicentino, para a Igreja conseguir, faz um lance. Não tinha dinheiro, então o monsenhor Bernardo, que acho que administrava as finanças da diocese, não tinha dízimo, ele me ajudava em 2 BTNs [Bônus do Tesouro Nacional]. O que é BTN? Eu não me lembro mais. Mas o terreno custava 18 BTNs, não tinha dinheiro, nós fizemos quermesse, a quermesse Shangri-lá. Com a quermesse a gente pagava o terreno e em 1990 começamos a construção, levou seis anos, nesses seis anos fizemos o salão no Parigot 2, um salãozinho, começaram na Santa Teresinha a fazer uma capela e depois lançaram os alicerces para fazer uma nova igreja. E esta igreja não estava pronta já tinha que fazer a igreja da Santa Teresinha, que coisa doida.
Isto foi em 1991, que dom Albano inaugurou a igreja, chamou o padre Bruno, indiano: agora você vai assumir a paróquia, a igreja já está quase pronta, falta pouca coisa. Aí eu peguei na baixada do rio Lindóia, onde tem a nascente, lá nem tanque de guerra descia na época, de tão ruim, não tinha meio fio, não tinha luz, não tinha água, não tinha nada. Então em 2003 comecei a capela lá, Santa Rosa de Lima, terminou em 2009.
No total quantas igrejas o senhor construiu?
Esta, no Vivi, Santa Teresinha e Santa Rosa de Lima, quatro.
Como é para o senhor ser pároco e vigário nesta paróquia que o senhor construiu?
Me sinto feliz porque o padre Emerson faz tudo, eu não faço nada. Eu faço um tanto assim. Tá bom.
Ainda temos a creche desde 1987. O Wilson Moreira e a dona Guiomar foi que nos deram, obrigaram a pegar a creche lá no Chefe Nilton, 60 crianças na época, mas não era creche, era um puxado, então arrumamos um patrocinador, seu Januário, e nós dois montamos. Depois a igreja evangélica abandonou a creche lá no fundo do Parigot perto do posto de saúde e nós assumimos lá também. Temos 244 crianças na creche em duas casas. Tudo que eu ganho na aposentadoria como professor vai na creche. Tá bom.
É a Joelina que comanda, 10 horas por dia no computador, no telefone, falta feijão, falta açúcar, naquela creche não tem… É gostoso.
O senhor visita bastante a creche?
Eu não, a criançada se assusta. Muito pouco.
Eu vi uma foto do senhor numa festa junina lá no ano passado…
É, pode ser. Eu tenho ainda hoje no computador uma fotografia muito interessante que nunca foi publicada, de dom Albano, que em 1994 ele fez visita pastoral, então chamaram a criançada e ele sentou na cadeirinha de criança. Veio uma menina e olhou para ele assim, e tirei fotografia, e conversou com ele, não me lembro mais o que a menina falou, mas bem interessante essa fotografia.
Dom Albano era um verdadeiro pai porque ele sentava e conversava. E interessante que consegui essa fotografia, essa menina deve estar hoje ter 25 anos, por aí.
O senhor conhece todo mundo na comunidade?
De rosto sim, de nome não.
Muita gente procura o senhor?
Aí o padre Emerson que vai administrando essa parte. Não procuram mais porque você fala A eu entendo B porque tenho dificuldade de audição. 57 anos de Londrina, eu sou praticamente o decano do clero, se fosse diocesano, mas como sou religioso não vale, aí o monsenhor é o decano, está com 79 anos o monsenhor, e o monsenhor José Agius de Rolândia, os dois.
O senhor atende semanalmente os doentes no Hospital da Zona Norte também?
Pois ontem eu fui, rezei, terça-feira eu celebrei missa e ontem eu fui visitar os doentes, lá tem uma turma da Imaculada de ministras que levam a comunhão.
Ouvi que o senhor sempre trabalhou em tudo que precisa na paróquia, até consertando forro… É verdade?
Trabalhei bastante, nós não tínhamos dinheiro, não tinha dízimo, mas tinha quermesse, famosa quermesse do Shangrilá. Em 1976, 70 até 90 por aí, a igreja foi feita na base de quermesse.
Da mesma forma como iniciou, ele mesmo encerrou a entrevista. “Prontinho, já tomou café? Então o padre Emerson vai me levando para casa. Agora a jornalista coitada como vai destrinchar tudo isso. Vai fazer uma notinha deste tamanho.”
Juliana Mastelini Moyses
Pascom Arquidiocesana
Fotos: Tiago Queiroz
Entrevista publicada na edição de abril do Jornal da Comunidade (JC).