Pai
No Evangelho do próximo domingo Jesus nos apresenta Deus como Pai. Em apenas três versículos repete cinco vezes a palavra “Pai”.
“Eu te louvo ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos. Sim Pai, porque assim foi do teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11,25-27).
A compreensão de Deus como Pai é anterior ao cristianismo. Na literatura grega, com certa freqüência, Zeus é chamado de “pai dos homens e dos deuses” (Ilíada 1,544; Odisseia 1,28).
Em Israel, Deus aparece como Pai amoroso que guia e protege o seu povo. O livro do Deuteronômio, ao repreender o povo que, de cabeça dura, não seguia as orientações dadas, assim se expressa: “É assim que agradeceis ao Senhor, povo louco e insensato? Não é ele o Pai que te criou? Quem te fez e te formou?” (Dt 32,6).
Os profetas em suas exortações também insistem em falar da paternidade de Deus. Oseias descreve de modo comovente o amor paterno de Deus para com seu povo.
“Quando Israel era criança eu o amava, do Egito chamei meu filho. Sim, fui eu quem ensinou Efraim a andar, segurando-o pela mão. Só que eles não percebiam que era eu quem deles cuidava. Eu os lacei com laços de amizade, eu os amarrei com cordas de amor; fazia com eles como quem pega uma criança ao colo e a traz até junto ao rosto. Para dar-lhes de comer eu me abaixava até eles. Como poderia eu abandonar-te Efraim? Como poderia entregar-te, Israel?” (Os 11,1.3-4.8).
Isaías, depois de recordar ao povo as maravilhas feitas por Deus, conclui sua exortação dirigindo-se a Deus com estas palavras: “O nosso Pai és tu…És tu mesmo, Senhor, o nosso Pai, o nosso libertador, teu nome é eterno” (Is 63,16).
O autor do Eclesiastes invoca a Deus como “Senhor meu Pai”. “Senhor, Pai e Soberano de minha vida….Senhor, Pai e Deus de minha vida, não me abandones às suas sugestões. Não me dês a arrogância dos olhos e afasta de mim todo o mau desejo” (Eclo 23,1.4-5). O livro da Sabedoria, mais uma vez, recordando a história do povo, exclama: “Mas é a tua Providência, ó Pai, que segura o leme, porque até no mar abriste caminho e uma rota seguríssima entre as ondas” (Sb 14,3).
Entre as muitas orações do Talmud, encontra-se esta: “Pai nosso, Pai misericordioso, que derramas tua misericórdia sobre nós, dá ao nosso coração a faculdade de discernir, compreender, entender, aprender, ensinar, observar, cumprir e manter todas as palavras pelo estudo da tua Torah, com amor”.
Se assim era, qual então a novidade do ensinamento de Jesus? A novidade está na atitude de confiança, de proximidade e familiaridade. Para Jesus, Deus não era simplesmente Pai, mas Papai.
“Se chamamos a Deus de Pai, precisamos agir como filhos, para que do mesmo modo que nos alegramos com Deus Pai, ele também se alegre conosco”, recorda São Cipriano, bispo do século III, que viveu em Cartago, no Norte África.
Em nossos dias, o Papa Francisco tem lembrado com insistência que Deus é nosso Pai, muito próximo de nós, sempre pronto a nos ajudar. Nas palavras do Papa, “Deus não é um ser distante e anônimo: é nosso refúgio, a fonte de nossa serenidade e de nossa paz. É a rocha de nossa salvação, a quem podemos agarrar-nos na certeza de não cair. Quem se agarra a Deus não cai. Ele é a nossa defesa do mal sempre à espreita. Deus é para nós um grande amigo, o aliado, o pai, mas nem sempre nos damos conta disso. Preferimos apoiar-nos em bens imediatos e contingentes, esquecendo e, às vezes, rejeitando o bem supremo, isto é o amor paterno de Deus. Sentir Deus como Pai, nesta época de orfandade é tão importante! Nós nos afastamos do amor de Deus quando vamos em busca obsessiva dos bens terrenos e das riquezas, manifestando assim um amor exagerado por estas realidades”.
Diante da ternura de Deus, nosso Pai, cabe-nos imitar Santa Teresinha do Menino Jesus. Certa ocasião, relata sua irmã, ela estava costurando com muita habilidade e, ao mesmo tempo, imersa em grande contemplação. Então lhe perguntei: “Em que pensas?” “Medito o Pai”, respondeu ela. “É tão doce chamar Deus de Pai”. E duas lágrimas brilharam em seus olhos.
Dom Manoel João Francisco
Administrador Apostólico da Arquidiocese de Londrina
Bispo da Diocese de Cornélio Procópio-PR