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Em relação à Páscoa e ao Pentecostes, a solenidade da Santíssima Trindade é uma celebração tardia. Os primeiros testemunhos aparecem somente no século XI. Mais que das origens, as notícias falam da oposição sofrida, inclusive do Papa Alexandre II, morto em 1181. A este Papa devemos a seguinte informação: “Não é costume de Roma dedicar um dia especial ao culto da Santíssima Trindade, porque, a bem da verdade, todos os dias são a ela consagrados. Alguns desenvolveram o costume de celebrar a festa da Santa Trindade na oitava de Pentecostes, outros, no último dia do ano eclesiástico. Este não é o costume da Igreja romana”.

A festa, no entanto, caiu no gosto do povo e foi sendo celebrada até que o Papa João XXII, em 1334, aprovou-a, fixando sua celebração para o domingo depois de Pentecostes. Graças a Deus que foi assim!

A teologia sistemática, com seu viés metafísico, corre o risco de fazer da doutrina sobre a Santíssima Trindade uma abstração, com incidência quase nula, na ação pastoral da Igreja (pregação e catequese) e na espiritualidade dos fiéis.

Karl Rahner entre o humor e a dor afirma que se, por uma hipótese, impossível para a fé, for declarado que a Santíssima Trindade não existe e que o verdadeiro Deus é uno e único, pouco se teria para modificar em nossos catecismos. Yves Congar, outro teólogo de renome se pergunta: “O dogma da Trindade, em cuja confissão fomos batizados, tem algum impacto em nossa vida?”. O filósofo Emanuel Kant, falando como crente, é de opinião que “do dogma da Trindade, tomado ao pé da letra, não se pode tirar absolutamente nada para a prática. (…). Que tenha que honrar a três ou a duas pessoas, o noviço o admitirá pelo que dizem, com a mesma facilidade, já que não tem nenhuma ideia de Deus em várias pessoas ou hipóstasis, e muito mais ainda porque não pode tirar desta diferença regras diferentes para sua conduta”.

Por sua vez, a teologia litúrgica, com seu viés mistagógico, não cessa de mostrar a atividade das Três Pessoas divinas na obra da salvação e na reconstrução do mundo. Como consequência, a sua incidência na ação pastoral da Igreja e na espiritualidade dos fiéis tem sido de grande significado.

Na liturgia, a ação da Trindade em relação ao mundo e a nós crentes se dá da seguinte maneira: O Pai, por Cristo, no Espírito Santo santifica a Igreja e por ela o mundo; por sua vez, o mundo e a Igreja, por Cristo, no Espírito Santo dão graças e louvores a Deus Pai.

Santo Atanásio, numa carta a seu amigo, o bispo Serapião, assim escreve: “A nossa fé é esta: cremos na Trindade santa e perfeita que é o Pai, o Filho e o Espírito Santo; nela não há mistura alguma de elemento estranho; não se compõe de Criador e criatura; mas toda ela é potência e força operativa; uma só é sua natureza, uma só é sua eficiência e ação. O Pai cria todas as coisas por meio do Verbo, no Espírito Santo; e deste modo, se afirma a unidade da Santíssima Trindade. Por isso, proclama-se na Igreja um só Deus, que reina sobre tudo, age em tudo e permanece em todas as coisas (Ef 4,6). Reina sobre tudo como Pai, princípio e origem; age em tudo, isto é, por meio do Verbo; e permanece em todas as coisas no Espírito Santo”.

A liturgia expressa tudo isso através de orações e hinos. Um dos mais expressivos é o que transcrevo em seguida. Trata-se do Hino das Primeiras Vésperas da Festa.

 

Ó Trindade imensa e una,
Vossa força tudo cria;
Vossa mão que rege os tempos,
Antes deles existia.

Vós, feliz, num gozo pleno,
Totalmente vos bastais.
Pura, simples, generosa,
Terra e espaços abraçais.

Pai, da graça fonte viva,
Luz da glória de Deus Pai,
Santo Espírito da vida,
Que no Amor os enlaçais.

Só por vós, Trindade Santa,
Suma origem, todo bem,
Todo ser, toda beleza,
Toda a vida se mantém.

Nós os filhos adotivos,
Pela graça consagrados,
Nos tornemos templos vivos,
A vós sempre dedicados.

Ó Luz viva, reuni-nos
Com os anjos, lá nos céus,
No louvor da vossa glória
Que veremos sem ter véus.

Dom Manoel João Francisco
Administrador Apostólico da Arquidiocese de Londrina
Bispo Diocesano de Cornélio Procópio – PR

 

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