Terminou nesta quinta-feira, 2 de maio, em Sacrofano, em Roma, o encontro internacional “Párocos em prol do Sínodo, no qual mais de 300 presbíteros, de diferentes partes do mundo, estavam reunidos desde o dia 28 de abril, em preparação à segunda sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade, a ser realizada em outubro deste ano. O encontro envolveu os participantes, de modo ativo, com mesas redondas, workshops de propostas pastorais, diálogo com especialistas e celebrações litúrgicas.

Do Brasil, participaram quatro padres, indicados pela CNBB através da Comissão para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada: padre Rafael Solano, da Arquidiocese de Londrina (PR); padre Eliezer Paiva, do clero de Imperatriz (MA); padre Ivanir Antônio Rampon, da Arquidiocese de Passo Fundo (RS); e o padre Vitor Hugo Silva, da Arquidiocese do Rio de Janeiro.

Pároco e professor

Padre Rafael Solano conta que do total de participantes, ele e outros 13 padres de diversas dioceses do mundo partilharam as experiências de serem párocos e professores de universidades. “[Ao todo] estamos presentes de 193 países. Está sendo uma experiência enriquecedora. Fazemos de manhã, uma experiência muito linda de contemplação a partir da metodologia que o Sínodo está propondo, fazendo o discernimento, e com o discernimento vamos fazendo oração entre nós. O Santíssimo sempre está exposto”, contou padre Rafael.

Padres brasileiros escolhidos pela CNBB para participarem do encontro em Roma

Ainda pela manhã, foram realizados os trabalhos em grupo. No grupo do padre Rafael participaram 12 pessoas de diferentes países, moderados pelo padre Adelson, jesuíta que trabalha na Universidade Gregoriana. “Ali chegamos a mais conclusões antes das duas da tarde, que é o almoço, depois descansamos uma hora, às três voltamos e já nos reunimos para fazer perguntas. Temos tido a presença de pessoas muito boas, no sentido de que você pergunta no jeito de ser escutado, mas também de ouvir, porque a grande novidade que o Sínodo veio nos trazer foi esse desejo de ouvir.”

Padre Rafael fala da bonita surpresa que foi assistir ao testemunho do padre Romão Martins, da Arquidiocese de Londrina, sobre seu trabalho missionário realizado nas paróquias Nossa Senhora Auxiliadora e São Vicente de Paulo em Londrina, transmitido aos participantes do encontro. “Desde já quero parabenizar a nossa arquidiocese. Foi passado o vídeo do padre Romão, que faz missões a outros lugares. Foi uma grande emoção e um orgulho participar da arquidiocese da qual um irmão padre faz esta experiência que é comentada no Sínodo.”

O encontro apresentou outros bonitos testemunhos, conta padre Rafael. “Me impactou profundamente na Emília România, uma região italiana, em que um padre se juntou a outros três padres, porque já não tem mais padres ali e tem um CPP fantástico. Para sete paróquias, três padres e um CPP de 35 pessoas. Coisa belíssima, verdadeiramente, umas experiências únicas”, conta.

“E o mais lindo de tudo é que nós podemos dizer que no Brasil já éramos sinodais, talvez sem sabê-lo, não? Então é uma riqueza muito grande da nossa Arquidiocese de Londrina. A catequese, os leigos, as leigas engajadas, o trabalho da Pascom. Então verdadeiramente me sinto muito feliz, muito honrado de poder estar aqui. Fui consultado, me fizeram participar em um momento muito especial sobre a dor do clero, especialmente no drama do suicídio. Foi um eco muito bom. Estou muito feliz, muito contente”, conclui padre Rafael, que retorna ao Brasil no sábado, 3 de maio.

Audiência com o Papa

No último dia de encontro, 2 de maio, os participantes tiveram uma audiência com o Papa Francisco. Ao final, o pontífice divulgou uma carta na qual expressa “gratidão e estima pelo trabalho generoso que diariamente realizais, semeando o Evangelho nos vários tipos de terreno”.

Compromisso e serviço para levar a Igreja adiante

O texto fala dos diferentes contextos em que vivem as paróquias, afirmando que os párocos “conhecem de perto a vida do povo de Deus, as suas fadigas e alegrias, as suas carências e riquezas”. Nesta conjuntura, o Papa disse que “uma Igreja sinodal tem necessidade dos seus párocos: sem eles, nunca poderemos aprender a caminhar juntos, nunca poderemos embocar aquele caminho da sinodalidade que ‘é precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milénio’”.

“Jamais nos tornaremos uma Igreja sinodal missionária, se as comunidades paroquiais não fizerem, da participação de todos os batizados na única missão de anunciar o Evangelho, o traço caraterístico da sua vida. Se as paróquias não forem sinodais e missionárias, também a Igreja não o será”, enfatizou o Papa. Relembrando o que foi dito no Relatório Síntese da Primeira Sessão da Assembleia Sinodal, ele ressaltou que as paróquias estão a serviço da missão, vendo a necessidade de que “as comunidades paroquiais se tornem cada vez mais lugares donde partem como discípulos missionários os batizados e aonde regressam, cheios de alegria, para partilhar as maravilhas operadas pelo Senhor através do seu testemunho”.

Ele pediu aos párocos que acompanhem as comunidades às quais servem e que se comprometam com “a oração, o discernimento e o zelo apostólico, empenhar-nos por que o nosso ministério seja adequado às exigências duma Igreja sinodal missionária”. Para isso, ele vê a necessidade de ouvir o Espírito e redescobrir o fundamento de sua missão: “anunciar a Palavra e reunir a comunidade na fração do pão”.

Três recomendações

Francisco fez três recomendações aos párocos: viver cada vez mais seu carisma ministerial específico a serviço das muitas formas de dons difundidos pelo Espírito entre o Povo de Deus; aprender e praticar o discernimento comunitário, elemento-chave da ação pastoral de uma Igreja sinodal; intercâmbio e fraternidade entre os sacerdotes e com seus bispos, ser filhos e irmãos para serem bons sacerdotes, viver a comunhão para serem autênticos pais.

Enfatizando a necessidade de ouvir as vozes dos párocos em preparação para a segunda sessão da Assembleia Sinodal, convidou os participantes do encontro “Párocos em prol do Sínodo” a “serem missionários de sinodalidade nomeadamente entre os seus irmãos párocos, quando regressarem a casa, animando a reflexão sobre a renovação do ministério de pároco em chave sinodal e missionária”.

Confira a carta na íntegra:

CARTA DO PAPA FRANCISCO AOS PÁROCOS

Queridos irmãos párocos!

O Encontro Internacional «Os Párocos em prol do Sínodo» e o diálogo com quantos nele tomam parte dão-me ocasião para recordar, na minha oração, todos os párocos do mundo a quem dirijo, com grande afeto, estas palavras.

De tão óbvio que é, quase parece banal afirmá-lo, mas isso não o torna menos verdadeiro: a Igreja não poderia caminhar sem o vosso empenho e serviço. Por isso quero começar por vos exprimir gratidão e estima pelo trabalho generoso que diariamente realizais, semeando o Evangelho nos vários tipos de terreno (cf. Mc 4, 1-25).

Como se pode verificar nestes dias de partilha, as paróquias, onde realizais o vosso ministério, encontram-se em contextos muito diversos: desde paróquias situadas nas periferias das grandes cidades – conheci-as por experiência direta em Buenos Aires – até paróquias vastas como províncias nas regiões menos densamente povoadas; desde as localizadas nos centros urbanos de muitos países europeus, onde antigas basílicas acolhem comunidades cada vez mais pequenas e envelhecidas, até àquelas onde se celebra debaixo duma grande árvore, misturando-se o canto dos pássaros com as vozes de tantas crianças.

Os párocos conhecem tudo isto muito bem… Conhecem de perto a vida do povo de Deus, as suas fadigas e alegrias, as suas carências e riquezas. É por isso que uma Igreja sinodal tem necessidade dos seus párocos: sem eles, nunca poderemos aprender a caminhar juntos, nunca poderemos embocar aquele caminho da sinodalidade que «é precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milénio».[1]

Jamais nos tornaremos uma Igreja sinodal missionária, se as comunidades paroquiais não fizerem, da participação de todos os batizados na única missão de anunciar o Evangelho, o traço caraterístico da sua vida. Se as paróquias não forem sinodais e missionárias, também a Igreja não o será. A este respeito, é muito claro o Relatório de Síntese da Primeira Sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos: as paróquias, a partir das suas estruturas e da organização da sua vida, são chamadas a conceber-se «principalmente ao serviço da missão que os fiéis levam por diante no interior da sociedade, na vida familiar e laboral, sem se concentrar exclusivamente nas atividades que se desenrolam no seu interior e nas suas necessidades organizativas» (8, l). Por isso, é preciso que as comunidades paroquiais se tornem cada vez mais lugares donde partem como discípulos missionários os batizados e aonde regressam, cheios de alegria, para partilhar as maravilhas operadas pelo Senhor através do seu testemunho (cf. Lc 10, 17).

Como pastores, somos chamados a acompanhar neste percurso as comunidades que servimos e, com a oração, o discernimento e o zelo apostólico, empenhar-nos por que o nosso ministério seja adequado às exigências duma Igreja sinodal missionária. Este desafio diz respeito ao Papa, aos Bispos, à Cúria Romana e naturalmente também a vós, párocos. O Senhor que nos chamou e consagrou convida-nos, hoje, a pôr-nos à escuta da voz do seu Espírito e a mover-nos na direção que Ele nos indica. Duma coisa, podemos estar certos: não nos deixará faltar a sua graça. Ao longo do caminho, descobriremos também como libertar o nosso serviço de tudo aquilo que o torna mais cansativo e descobrir o seu núcleo mais autêntico: anunciar a Palavra e reunir a comunidade na fração do pão.

Exorto-vos, pois, a acolher este chamamento do Senhor para serdes, como Párocos, construtores duma Igreja sinodal missionária, empenhando-vos com entusiasmo neste caminho. Com tal objetivo, gostaria de formular três sugestões que poderão inspirar o estilo de vida e de ação dos pastores.

Convido-vos a viver o vosso carisma ministerial específico cada vez mais ao serviço dos dons multiformes semeados pelo Espírito no povo de Deus. Urge, pois, perscrutar com o sentido da fé, reconhecer com alegria e promover com diligência os carismas multiformes dos leigos, tanto os mais modestos como os mais altos (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Presbyterorum Ordinis, 9), que são indispensáveis para se poder evangelizar as realidades humanas. Estou convencido de que assim fareis surgir muitos tesouros escondidos e encontrar-vos-eis menos sós na grande missão de evangelizar, experimentando a alegria duma genuína paternidade que não sufoca nos outros, homens e mulheres, suas muitas potencialidades preciosas, antes fá-las sobressair.

De todo o coração, vos sugiro que aprendais e pratiqueis a arte do discernimento comunitário, valendo-vos para isso do método da «conversação no Espírito», que muito nos ajudou no percurso sinodal e na condução da própria Assembleia. Estou certo de que podereis colher abundantes frutos não só nas estruturas de comunhão, como o Conselho Pastoral Paroquial, mas também em muitos outros campos. Como nos recorda o já citado Relatório de Síntese, o discernimento é elemento-chave da ação pastoral duma Igreja sinodal: «É importante que a prática do discernimento seja realizada também em âmbito pastoral, de modo adequado aos contextos, para iluminar a concretude da vida eclesial. Com esta prática será possível reconhecer melhor os carismas presentes na comunidade, confiar com sabedoria tarefas e ministérios, projetar à luz do Espírito os caminhos pastorais, indo para além da simples programação de atividades» (2, 1).

Por fim, gostaria de vos recomendar que coloqueis na base de tudo a partilha e a fraternidade entre vós e com os vossos Bispos. Esta solicitação ressoou forte no Convénio Internacional para a Formação Permanente dos Sacerdotes sobre o tema «Reaviva o dom de Deus que está em ti» (2 Tim 1, 6), realizado no passado mês de fevereiro aqui em Roma, com a participação de mais de oitocentos bispos, sacerdotes, consagrados e leigos, homens e mulheres, comprometidos neste campo, representando oitenta países. Não podemos ser autênticos pais, se não formos, antes de tudo, filhos e irmãos. E não seremos capazes de suscitar comunhão e participação nas comunidades que nos são confiadas se, primeiro, não as vivermos entre nós. Bem sei que, na sucessão das incumbências pastorais, este compromisso poderá parecer lateral ou até uma perda de tempo, mas realmente é verdade o contrário: de facto só assim somos credíveis e a nossa ação não desperdiça o que outros já construíram.

Não é só a Igreja sinodal missionária que precisa dos párocos, mas também o caminho específico do Sínodo 2021-2024 que tem por tema «Em prol duma Igreja Sinodal. Comunhão, participação, missão», em vista da Segunda Sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que se vai realizar no próximo mês de outubro. Para prepará-la, precisamos de escutar a vossa voz.

Por isso, convido quantos participaram no Encontro Internacional «Os Párocos em prol do Sínodo» a serem missionários de sinodalidade nomeadamente entre os seus irmãos párocos, quando regressarem a casa, animando a reflexão sobre a renovação do ministério de pároco em chave sinodal e missionária e, ao mesmo tempo, permitindo à Secretaria Geral do Sínodo recolher a vossa imprescindível contribuição para a redação do Instrumentum laboris. A escuta dos párocos era o objetivo deste Encontro Internacional, mas não pode terminar hoje: precisamos de continuar a ouvir-vos.

Queridos irmãos, estou ao vosso lado neste caminho que também eu procuro percorrer. De coração vos abençoo a todos, e por minha vez preciso de sentir a vossa solidariedade e o apoio da vossa oração. Confiemo-nos à Bem-aventurada Virgem Maria Odighitria: Aquela que indica a estrada, Aquela que nos leva até ao Caminho, à Verdade e à Vida.

Roma, São João de Latrão, 2 de maio de 2024.

FRANCISCO

Fonte: CNBB

Foto: Vatican Media

Nesta semana, a Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por meio da Comissão Nacional da Pastoral Familiar, oferece uma formação especial sobre as exortações apostólicas Familiaris Consortio, de São João Paulo II, e Amoris Laetitia, do Papa Francisco. Desde segunda-feira, dia 3, até sexta, 7, são estudados os aspectos eclesiológicos, morais e pastorais dos dois documentos. O Seminário On-line Alegria do Amor tem reunido agentes da Pastoral Familiar, integrantes de movimentos e serviços, além de bispos, presbíteros, religiosas e religiosos e seminaristas de todo o Brasil.

 

Eclesiologia
Na segunda-feira, o vice-presidente e diretor da Seção Brasileira do Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para o Matrimônio e Família, padre Rafael Fornasier, abordou as questões eclesiológicas e doutrinais presentes nas duas exortações apostólicas. Em especial, ele colocou em foco duas expressões importantes nos últimos tempos: “Igreja doméstica” e “Igreja, família de famílias”.

 

Na primeira parte, padre Fornasier recapitulou os textos das exortações apostólicas. Ele destacou que há uma continuidade entre as abordagens de São João Paulo II e do Papa Francisco. “Na Familiaris Consortio o termo ‘Igreja doméstica’ é citado 11 vezes e na Amoris Laeitia aparece sete vezes a expressão”, calculou.

 

Por sua vez, ‘Igreja, família de famílias’, aparece apenas em 2007, no Documento de Aparecida, mas se tornou recorrente nos últimos anos no relatório final do Sínodo de 2015 e na Amoris Laetitia. “Nos primórdios, a Igreja começa nas casas. Só depois que aparecem as igrejas como comunidade. E essas duas situações devemos estreitar ainda mais”, destacou o teólogo.

 

Padre Rafael Fornasier
Na segunda parte da palestra, padre Rafael Fornasier apontou que nos últimos anos tem sido importante pensar a família no campo da teologia, em especial após com a exortação Evangelium Gaudium, sobre o anúncio do evangelho no mundo atual – que deve contar com a participação das famílias.

 

“A família não é uma célula isolada. Ela cresce, se transforma e se conecta em outras células. Da mesma forma ocorre nas paróquias. É formada por famílias que estão relacionadas em rede e, portanto, a igreja se concretiza ali”, disse.

 

Moral
No segundo dia de encontro, o presbítero da Arquidiocese de Londrina (PR), padre Rafael Solano, que é mestre e doutor em Teologia Moral, tratou dos aspectos morais dos dois documentos, elencando as formas, mentalidade e lei da gradualidade apresentadas nos textos. Também refletiu sobre a família inserida no processo de evangelização e sobre o conceito de espiritualidade familiar, que pode ajudar a colocar os documentos em prática.

 

Padre Rafael Solano citou a Didaquê do início da Igreja como catequeses que iluminavam a vida cristã com “os primeiros elementos éticos e morais que nós vimos diante de nós”. Para ele, a Didaquê traz consigo a grandeza traduzida das Bem-Aventuranças.

 

Evangelização da família
Para o padre Solano, o primeiro aspecto moral da Familiaris Consortio, junto com a Amoris Laetitia, é o processo de evangelização. “Não existe Pastoral Familiar, não existe teologia moral familiar, se o Evangelho não entra em casa. Ele deve se fazer conhecido no lar”, destacou.

 

Alegria do Amor
Na quarta-feira, o seminário apresentou a palestra de dom Leomar Brustolin, bispo auxiliar de Porto Alegre (RS), sobre os aspectos pastorais. Na quinta-feira, o bispo de Rio Grande (RS) e presidente da Comissão Vida e Família, dom Ricardo Hoepers, conduziu uma mesa redonda com os três palestrantes e a teóloga Maria Inês de Castro Millen. Na sexta-feira, 7, o arcebispo de Florianópolis (SC), dom Wilson Tadeu Jönck, aprofundará os aspectos “Ser pai e ser mãe, homem e mulher” à luz dos documentos que iluminam o evento.

 

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CNBB

Padre Rafael Solano comenta parecer do procurador-geral da República sobre legalidade do aborto para grávidas contaminadas com o vírus Zika. “A Igreja sempre vai se posicionar totalmente a favor da vida, a favor daqueles que estão por nascer”.

Em setembro deste ano, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF) posicionando-se favorável ao aborto em grávidas diagnosticadas com o vírus Zika, que pode estar ligado à ocorrência de microcefalia em bebês. No seu argumento, o procurador defende que a continuidade da gestação quando há a confirmação do Zika é um “risco certo à saúde psíquica da mulher”. Em entrevista ao Jornal da Comunidade, Padre Rafael Solano, pároco da Paróquia São Vicente de Paulo, contesta a posição do procurador. “Se o microencefálico traz um problema para a sociedade, então vamos discutir qual é o problema, porque até agora ninguém falou qual é o problema”, comenta o padre.

 

JC: Em que contexto se inserem as discussões sobre o aborto no momento em que estamos?

Padre Rafael Solano: Estamos atravessando uma situação bastante delicada, não somente no Brasil, como no mundo inteiro com três grandes movimentos. O movimento dos refugiados, o movimento das pandemias, e o movimento das doenças inesperadas. E há no movimento das pandemias uma pandemia que atingiu diretamente a América Latina. Toda América Latina passou pela dengue, ou está passando pela chikungunya, ou está passando pela Zika. Este tipo de situação levou a um grande questionamento, porque geralmente quando vem uma pandemia a população sofre reações diversas. E uma delas, no caso concreto do nosso Brasil, da Colômbia, da Costa Rica, é a questão do aborto. Porque muitas mulheres ficaram ou adquiriram o vírus do Zika, ou da Zika como se diz em alguns lugares, e imediatamente depois da segunda ou terceira ultrassonografia descobriram que estavam grávidas de uma criança com microcefalia. Em muitos governos se adotou a postura de provocar o aborto.

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Quando eu li o texto do ministro Janot e o texto do Tribunal Superior, fiquei bastante estarrecido, muito
preocupado, porque a razão que se está dando é que se deseja evitar um mal psicológico para a mulher que tem um filho com microcefalia. Mas olhe bem para a situação: muitas mulheres têm crianças sadias e entram em depressão pós parto. Muitas mulheres têm uma gravidez em perfeito estado, uma criança maravilhosa, mas entram num confronto inesperado consigo mesma e a criança tem até que ser retirada dela, e conduzida ou para a avó ou para a tia. Então falar de um dano psicológico a uma mãe com filho com microcefalia? Meu Deus do Céu, em que patamar nos encontramos? O texto é muito forte. Diz: pretendemos evitar maiores gravidades psiquiátricas, psicológicas, comportamentais na mulher que após o parto traga consigo uma criança com problema de microcefalia. Isso não é verdade, e a gente não pode ficar parado frente a isto porque está virando praticamente moda o tema aborto por microcefalia. Não é por aí, esse não é o caminho.

Eu não quero que as pessoas fiquem pensando que o ministro e que as leis amparando o aborto do microencefálico, dizendo que a mãe vai sofrer demais ao carregar um filho microencefálico, são verdades. Porque não tem por que se escandalizar. Existem muitas pessoas microencefálicas que vivem feliz da vida, sem nenhum problema. Tem gente que nasceu sem as duas pernas e hoje é campeão mundial de corrida.

 

JC: Então frente à situação delicada de uma mãe que recebe o diagnóstico do filho com microcefalia, qual a posição a ser tomada?

Padre Rafael Solano: Frente a essa questão eu pergunto: Qual o problema que a nação, que um país tenha microencefálicos na sua sociedade? É isso que eu me pergunto, só isso. Se o microencefálico traz um problema para a sociedade, então vamos discutir qual é o problema, porque até agora ninguém falou qual é o problema dos microencefálicos na sociedade. Eu queria que me dissessem qual é o mal. Por enquanto, são tão humanos como nós.

 

JC: Aí a gente entra em questões mais profundas, como uma espécie de escolha das pessoas que podem ou não viver?

Padre Rafael Solano: No mundo no qual estamos hoje não se fala mais sobre seleção, se fala em “eugenia”, que é o grande desenvolvimento biotecnológico, nanotecnológico e geneticamente comprovado que traz consigo a problemática de selecionar os seres humanos. A eugenia é a manipulação preparada e predisposta dos caracteres ou das características que um ser humano, que uma sociedade deve ter. Então se nós queremos uma sociedade com homens altos e mulheres baixinhas nós podemos controlar isso, determinar isso. E a eugenia traz consigo esta gravidade, porque há uma eliminação, uma seleção e uma viabilização. Todos somos viáveis, todos nós já fomos escolhidos por Deus e todos nós, a partir do momento da fecundação, estamos dispostos a nos desenvolver. Talvez haverá algum com desenvolvimento tal, outro com desenvolvimento tal, mas aí está a grandeza e a unicidade do ser. Eu não posso prever que todos os seres serão iguais, é impossível, nem muito menos pensar que todos os seres serão iguais.

E vou lhe dizer uma coisa que me parece importantíssima, que é o conceito que a sociedade do século XXI tem frente ao corpo e frente à beleza. Não queremos seres feios, e o microencefálico pode parecer feio, mas é uma beleza. Cada um de nós tem a sua beleza, as pessoas com qualquer tipo de deficiência são belas. Não é a harmonia do corpo estético que vai compensar uma sociedade melhor desenvolvida. Nós não podemos continuar assinando embaixo e dizendo que esse é o caminho que o mundo deve seguir.

Esse vai ser o futuro grande drama da sociedade do século XXII: onde vão colocar os seres humanos, sobretudo aqueles que estão sendo selecionados e aqueles que estão sendo congelados. Já não estaremos mais aqui neste planeta, mas queira Deus que as coisas tenham melhorado.

 

JC: Existe uma aceitação e uma relativização com relação a certos assuntos por parte até dos cristãos. Apesar disso, o posicionamento da Igreja frente ao aborto nunca vai mudar.

Padre Rafael Solano: Hoje muitos comportamentos morais são subjetivos. O que significa subjetividade? Significa que cada um decide aquilo que lhe convém e aquilo que acha que é mais prático para sua vida e para sua salvação, então o subjetivismo ético leva as pessoas a ter uma falsa piedade. Hoje se fala muito do termo “terapêutico”, como se o termo “terapêutico” pudesse se adaptar à realidade gravíssima do aborto. Não é esse o caminho, o aborto é um homicídio, o aborto é um crime e o aborto é um pecado que lesa a humanidade, portanto rompe a caridade com Deus e com os irmãos. A Igreja sempre vai se posicionar totalmente a favor da vida, a Igreja sempre vai se posicionar a favor daqueles que estão por nascer. A Igreja acolhe com piedade, com carinho, quando uma mulher, uma pessoa vem para dizer que abortou e está pedindo perdão, isso é outra coisa, mas dizer um dia que nós vamos compactuar com o aborto, não, jamais.

Estamos chegando no tempo do Natal e o tempo de Natal sempre me incita pessoalmente a acabar com qualquer tipo de razão que tenha para abortar. Não existe razão nenhuma para abortar um ser humano. Indiscutivelmente, qualquer razão que se coloque é inválida.

(Padre José Rafael Solano Duran é sacerdote da Arquidiocese de Londrina (PR). Mestre e Doutor em Teologia Moral pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e pós-doutorado em Teologia Moral e Familiar pelo Pontifício Instituto João Paulo II de Roma, Universidade Lateranense de Roma. Atua como consultor da CNBB setor vida e família e como professor de Teologia Moral e Bioética na PUC (PR), Câmpus Londrina).

Juliana Mastelini
PASCOM Arquidiocesana

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Fotos Tiago Queiroz
PASCOM Arquidiocesana