No decorrer da história, a mulher vem conquistando seu espaço na Igreja, mas sua participação de forma mais incisiva ainda está no debate

 

A participação feminina na vida da Igreja Católica é crescente, especialmente no trabalho leigo frente às pastorais paroquiais, e pelas congregações religiosas consagradas. Não há números oficiais, estima-se que as mulheres representem dois terços dos fiéis, contra um terço dos homens. 

 

Porém, a participação mais efetiva, em cargos de direção ainda não é uma realidade, apesar de a discussão sobre esse espaço não ser recente. O assunto vem ganhando mais força com o Papa Francisco, cuja defesa da necessidade de valorização da participação feminina na Igreja está quase que constante em suas falas, desde o início de seu pontificado. 

 

Na exortação apostólica Evangelii gaudium, ele escreve: “Ainda é preciso ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja. Porque ‘o gênio feminino é necessário em todas as expressões da vida social; por isso deve ser garantida a presença das mulheres também no âmbito do trabalho’ e nos vários lugares onde se tomam as decisões importantes, tanto na Igreja como nas estruturas sociais”.

 

E seu discurso já se concretiza em ações, no último mês de janeiro Francisco nomeou pela primeira vez uma mulher para um cargo de alto escalão no Vaticano. Francesca Di Giovanni assumiu a função de vice-ministra da Secretaria de Estado da Santa Sé, órgão equivalente ao governo central do Estado. 

 

NA HISTÓRIA

Vale lembrar que o Papa Paulo VI, ao término do Concílio Vaticano II, escreveu uma mensagem na qual dizia: “Mas a hora vem, a hora chegou, em que a vocação da mulher se realiza em plenitude, a hora em que a mulher adquire na cidade uma influência, um alcance, um poder jamais conseguidos até aqui. É por isso que, neste momento em que a humanidade sofre uma tão profunda transformação, as mulheres impregnadas do espírito do Evangelho podem tanto para ajudar a humanidade a não decair”.

 

São João Paulo II, durante seu pontificado, escreveu o primeiro documento do Magistério pontifício dedicado à temática da mulher, a Carta Apostólica Mulieri Dignitatem, publicada em 15 de agosto de 1988. 

 

Irmãs Maria de Schoenstatt atuam em escola e hospitais em Londrina / Foto: Guto Honjo

A IGREJA DE LONDRINA

Essa presença feminina também é forte e atuante em toda a Arquidiocese de Londrina, não só entre as leigas, mas também no trabalho das congregações religiosas. Segundo dados da Ação Evangelizadora, de 2019, na Arquidiocese trabalham 22 congregações femininas que totalizam 450 freiras. 

 

Mas afinal, o que essas mulheres de Deus pensam sobre seu papel na Igreja? Para isso, a reportagem da Revista Comunidade conversou com algumas religiosas que atuam em Londrina e cidades da arquidiocese. 

 

Irmãs de Santa Marta desenvolvem trabalho educacional em ibiporã. / Foto: Guto Honjo

“Em forma geral pensamos que a ação feminina dentro da Igreja é forte, constante, perseverante e é testemunho de doação e alegria, e as mulheres têm uma credibilidade forte por parte da comunidade. Presenciamos que dentro da Igreja a participação e presença da mulher nos movimentos, pastorais, missas, etc”, avaliam as religiosas da Congregação das Irmãs de Santa Marta, que trabalham em Ibiporã. 

 

Elas acreditam que, com o passar dos anos, pouco a pouco a mulher tem ganhado mais espaço nas paróquias e dioceses. “Mas o protagonismo delas poderia ser maior, porque têm muito que aportar desde seu ser mulher. A mulher tem ainda muita capacidade, sensibilidade para se inserir nas diferentes realidades e coragem frente aos desafios do mundo atual”, reforçam. O protagonismo feminino, lembram elas, aparece desde o Antigo Testamento com personagens como Débora, Ester, Ruth. No Novo Testamento esse protagonismo vem de Maria e as Marias que acompanhavam Jesus. 

 

Irmãs da Reparação têm espiritualidade centrada em quatro dimensões: cristocêntrica, eucarística, reparadora e mariana. / Foto: Guto Honjo

Para as Irmãs da Reparação, de Cambé, “a presença feminina aparece nitidamente na dimensão do fazer e do ser, no trabalho e na missão da Igreja. De modo geral a mulher tem encontrado mais espaço e tem sido uma presença significativa de renovação, de comunhão e de fidelidade ao projeto comum da Igreja”, ressaltam.

 

“Nos alegramos muito com a presença da mulher na Igreja, não somente como reconhecimento, mas pela função e posição que temos, vamos ser atuantes e ocupar nosso lugar”, defende Irmã Jacinta Donati, assessora regional da Coluna Feminina, do Instituto Secular das Irmãs de Maria de Schoenstatt, em Londrina. 

 

 

Sobre a recente nomeação de mulheres para cargos na Igreja, Irmã Jacinta não considera um ato de reconhecimento, mas de um papel que realmente cabe à mulher e que por muitas razões ela ainda não está inserida. “Existem muitos espaços que a mulher deve ocupar, não para tirar o lugar ou competir com o homem, mas são espaços que para haver harmonia e equilíbrio, convém à mulher ser essa presença de Maria na Igreja”, defende.

 

Irmã Luiza Belli, das Irmãs da Reparação, reforça que para que aconteça um maior protagonismo feminino é preciso que as mulheres tenham mais voz nas decisões e discussões dos pontos fortes da Igreja e não apenas na execução. “O que define a presença de uma pessoa em cargos e funções de poder é a competência e a experiência e não ser homem ou mulher. Cremos em uma Igreja que se abre para a novidade do espírito que sopra onde quer (Jo 3,8), reafirmando  as palavras do papa durante sua homilia em 1º de janeiro, assegurando que ‘as mulheres são doadoras e mediadoras da paz e devem estar totalmente envolvidas no processo de tomada de decisões’.”

 

Francisco é elogiado também pelas Irmãs de Santa Marta. “O papa é um homem aberto e visionário que enxerga a importância da atuação feminina nas decisões importantes no interior da Igreja. Soube reconhecer e valorizar a dignidade, seriedade e compromisso da mulher. A mulher tem muita capacidade, sensibilidade para se inserir nas diferentes realidades e coragem frente aos desafios do mundo atual.” As religiosas concordam com o papa sobre a necessidade de terem voz e vez no âmbito das decisões. 

 

“A mulher tem a missão de colocar um novo ‘hálito’, isto é, um realce em âmbitos até então ocupado por homens, ou podemos dizer a mulher deve ser a alma, que pode colaborar para que a Igreja em seus muitos trabalhos sejam mais plenos de vida”, resume em metáfora Irmã Jacinta Donati.

 

NÃO CLERICALIZAR AS MULHERES

Em sua recém publicada Exortação Apostólica pós-sinodal “Querida Amazônia” (ver página 6), o Papa Francisco fala da força e dom das mulheres como indispensáveis à Igreja Católica. Contudo, diz o papa, é necessário evitar pensar que só se daria às mulheres uma participação maior na Igreja se recebessem o sacramento da Ordem. “Na realidade, este horizonte limitaria as perspetivas, levar-nos-ia a clericalizar as mulheres, diminuiria o grande valor do que elas já deram e sutilmente causaria um empobrecimento da sua contribuição indispensável”, escreve.

 

 “As mulheres prestam à Igreja a sua contribuição segundo o modo que lhes é próprio e prolongando a força e a ternura de Maria, a Mãe.” Isso leva, segundo Francisco, a uma compreensão da estrutura íntima da Igreja e não meramente funcional. Daqui resulta também que as mulheres tenham uma incidência real e efetiva na organização, nas decisões mais importantes e na guia das comunidades, mas sem deixar de o fazer no estilo próprio do seu perfil feminino”, conclui o papa.

 

Célia Guerra

Pascom Arquidiocesana

Foto de Destaque: Guto Honjo

Sem desmerecer a pessoa do meu pai, que me ensinou muitas coisas, destaco a pessoa de minha mãe, como grande inspiradora da minha fé. Assim como tantas mulheres o fazem, minha mãe me ensinou a rezar o terço, a participar da missa com respeito e a viver uma devoção. Creio que o sacerdócio que exerço hoje tem muito a ver com aquilo que aprendi dela. Pela Bíblia, sabemos que homem e a mulher são imagem de Deus criador e pelos filhos que geram são mediadores da vida. Entretanto, a maioria das mulheres de fé geram a vida corporal de seus filhos dentro de si e geram a vida de fé dentro de seus filhos. Ao cuidar dos filhos, a mulher deve os ajudar no desenvolvimento humano-espiritual. Alguns estudos antropológicos mostram que as mulheres têm essa facilidade porque possuem uma propensão mais intensa para a fé, em razão da sensibilidade feminina. 

 

Embora a Bíblia não tenha livros escritos por mulheres, o Antigo Testamento possui alguns livros com nomes femininos: Rute e Judite. Outros livros elogiam a mulher, dizendo ser ela a alegria e a coroa do marido, comparando-a à sabedoria (Pr 31,10-31). Ao mencionar Abrão, Isaac e Jacó, a Bíblia também fala de Sara, Rebeca, Raquel e Lia. Ao falar de Moisés e Aarão, destaca Miriam e Séfora. Vemos a importância das parteiras, que salvam as vidas dos meninos, de Ester, e tantas outras. 

 

Na tradição cristã, Jesus inova, tendo mulheres que o seguiam. O evangelista Lucas, por exemplo, diz que um grupo de mulheres seguia Jesus: Maria Madalena, Joana, Suzana, dentre outras (Lc 8,1-3). As primeiras testemunhas da ressurreição de Jesus foram as mulheres, mostrando sua importância na vida de fé. Maria, a Mãe de Jesus, tem grande importância na obra da redenção, sendo considerada Corredentora. O evangelista Marcos diz que uma mulher anônima unge Jesus com óleo perfumado, que era uma prática típica dos profetas, que ungiam os reis. Agradecido, Jesus a valoriza dizendo que onde o Evangelho for proclamado, esse episódio será lembrado (Mc 14,9). 

 

No início da Igreja, a mulher aparece desempenhando muitos papéis importantes. O evangelista João, por exemplo, fala da estrangeira sírio-fenícia, que foi encontrar Jesus e o faz ver que os cachorrinhos também precisam de pão que cai das mesas, ajudando Jesus a alargar sua visão de missão sobre todos os povos (Mt 15,26). As irmãs de Lázaro, em Betânia, têm uma relação importante com Jesus. Muitas mulheres colaboram com o apóstolo Paulo em sua missão. Na Primeira Carta a Timóteo, Paulo afirma que a mulher será salva pela maternidade, mas, igualmente à condição do homem, ela deve permanecer na fé, no amor e na santidade (cf. 1Tm 2,15). Na história da Igreja, encontramos muitas mulheres fundadoras de grandes obras como Santa Clara, Santa Tereza de Ávila, Irmã Dulce e tantas outras. As “beguinas”, moças leigas que viviam a castidade e vida de oração, sem serem monjas ou religiosas, no século XII influenciaram muitos místicos e difundiram devoções que são a base do catolicismo popular de hoje. 

 

Como colaboradora do criador, gerando filhos no corpo e no espírito a mulher aparece na história como protagonista de tantos feitos. Hoje, vemos tantas mulheres mães que protagonizam a transmissão da fé aos seus filhos, outras que, com seus ministérios, transmitem a fé aos filhos que a Igreja lhes confia com fé. O teólogo José Comblin observa que em toda a Idade Média, diante de vários lapsos evangelizadores da Igreja, se não fossem as mulheres transmitirem a fé em suas famílias, o cristianismo teria enfraquecido muito e que as milhões de mulheres simples, missionárias em seus lares, é que o cristianismo subsiste e avança. Mulheres que carregam uma força divina inexplicável, mostrando que a força de Deus está na fé dos que parecem fracos, não no poder dos que se dizem fortes. 

 

Pe. Gelson Luiz Mikuszka, C.Ss.R
Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro – Decanato Leste
Professor do Curso de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)

 

Foto destaque: Banco de Imagens