Há 53 anos a Igreja católica do Brasil realiza, durante o período da Quaresma, a Campanha da Fraternidade. Cada ano chama a atenção, em primeiro lugar dos católicos, em segundo lugar de todas as pessoas de boa vontade, para um tema de interesse comum. Neste ano, o tema é: “biomas brasileiros e defesa da vida”. A reflexão terá como mote inspirador a frase: “Cultivar e guardar a criação” (Gn 2,15).
Para muita gente este tema causou surpresa. Perguntaram-se: “O que a fraternidade tem a ver com os biomas brasileiros? Alguns até acharam que a Igreja, ao propor este tema, estava fugindo de problemas mais urgentes e candentes, tais como a saúde do povo.
Sem querer tomar a defesa da CNBB, desejo apenas dizer aos irmãos e irmãs preocupados com o tema da saúde, que defender os biomas, além de tantos outros direitos do ser humano, é defender a saúde das pessoas, especialmente daquelas que com freqüência são esquecidas e excluídas.
John Knox, especialista independente da ONU, afirma que o direito a alimentação, saúde, água e vida dependem da biodiversidade, cada vez mais ameaçada pela destruição de habitats naturais, ou seja, dos biomas, pela caça ilegal, pelo desmatamento e pelas mudanças climáticas.
“As pessoas não podem gozar de seus direitos humanos, entre eles o da saúde, sem os serviços que ecossistemas saudáveis fornecem”.
Eliminar a biodiversidade também destrói fontes potenciais de substancias medicamentosas e terapêuticas, além de aumentar a exposição a algumas doenças infecciosas e restringir o desenvolvimento do sistema imunológico humano.
Dois estudos da OMS divulgados no domingo passado, dia 05, afirmam que 1,7 milhão de crianças com menos de cinco anos morrem no mundo por causa de problemas ligados à poluição ambiental, ou seja, ao descuido com os biomas. Cerca de 15,5% dessas mortes foram por causa de infecções respiratórias e pneumonia. As mudanças climáticas, com a elevação das temperaturas e das emissões de gases causadores do efeito estufa, favorecem o aumento do pólen, associado ao aumento dos casos de asmas.
“Um ambiente poluído é mortal, principalmente para as crianças com pouca idade. Elas são mais vulneráveis em razão do desenvolvimento de seus órgãos e sistema imunológico e das vias respiratórias” afirmou Margaret Chan, diretora geral da OMS.
Um dos primeiros elementos da natureza a sentir o efeito da poluição é a água. Mil crianças morrem por dia por doenças relacionadas com a água. “Investir na eliminação de riscos ambientais à saúde, como melhorar a qualidade da água resultará em benefícios maciços” afirma Maria Neira, diretora do departamento de saúde pública da OMS. Como se pode ver o alerta está vindo de autoridades ligadas à saúde. A Igreja, na sua missão de defender a vida, apenas faz eco a esta preocupação. No entanto, parece que continuamos surdos. Em uma de suas últimas exortações, o Papa Francisco, como que falando para si mesmo, dizia: “Questiono-me se não estamos rumando para uma grande guerra mundial pela água. Nosso compromisso de dar à água o seu devido lugar depende do desenvolvimento de uma cultura do cuidado – o que pode soar poético, mas tudo bem, porque a criação é um poema”.
Outro problema muito relacionado com os biomas e com a saúde é o descarte que fizemos do lixo em geral, especialmente do plástico. Pesquisas revelam que as diversas formas assumidas pelo plástico, seja presente em garrafas PET ou nas fraldas descartáveis, levam cerca de 450 anos para se decompor na natureza. A maior parte do plástico produzido no mundo não é reutilizada e é descartada de forma inadequada, poluindo a terra e principalmente a água, tanto de rios como de oceanos. Segundo o Professor Reinaldo Dias da Universidade Makensie, nós estamos inviabilizando a vida marinha e sua diversidade, com conseqüências sérias para a saúde humana.
O professor Reinaldo Dias é de opinião que precisamos entender que dependemos totalmente da natureza. Não há um único material em nossas casas e cidades que não tenha origem natural. Esse distanciamento da cultura humana em relação à natureza deve ser combatido, pois não criamos um mundo artificial que independe do natural. Eles são interdependentes e temos que realizar um intenso trabalho de educação ambiental para que todos os humanos compreendam isso.
Aqui, de novo, temos a palavra esclarecedora do Papa Francisco: “Se cada um contribuir, nós estaremos colaborando para tornar a nossa casa comum um lugar mais habitável e fraterno, onde ninguém seria rejeitado ou excluído, mas todos teriam acesso aos bens necessários para viver e crescer com dignidade”.
Dom Manoel João Francisco
Administrador Apostólico da Arquidiocese de Londrina
Bispo de Cornélio Procóopio