[dropcap]T[/dropcap]odos nós acompanhamos com uma certa tristeza o retorno da discussão sobre o trabalho escravo em nosso país. Fez-se da questão uma moeda de troca com a Câmara Federal e com políticos corruptos fortemente interessados nela, na busca de apoio político para as votações que iriam ocorrer nos dias seguintes. O governo publicou a Portaria 1129 do Ministério do Trabalho, que foi explicada pela Agência Brasil da seguinte forma: “Há uma semana, o Ministério do Trabalho publicou no Diário Oficial da União (DOU) a Portaria 1.129, assinada pelo ministro Ronaldo Nogueira, na qual dispõe sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas de escravo, com o objetivo de disciplinar a concessão de seguro-desemprego a pessoas libertadas”. Ainda, segundo a Agência Brasil, “além de acrescentar a necessidade de restrição da liberdade de ir e vir para a caracterização da jornada exaustiva, por exemplo, a portaria também aumentou a burocracia da fiscalização e condicionou à aprovação do ministro do Trabalho a publicação da chamada lista suja, com os nomes dos empregadores flagrados reduzindo funcionários a condição análoga à escravidão”. A portaria gerou reações contrárias de entidades como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Procuradoria-Geral da República (PGR) e do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar (decisão provisória) na terça-feira, 24 de outubro, suspendendo os efeitos da Portaria.
Vários pontos mereceriam análise mais profunda para melhor compreensão das consequências nefastas que brotam da sua efetivação. O Conselho Permanente da CNBB emitiu nota oficial repudiando com veemência a Portaria 1129 considerando que ela elimina proteções legais contra o trabalho escravo. A CNBB cita palavras do Papa Francisco, no dia Mundial da Paz de 2015: “hoje, na sequência de uma evolução positiva da consciência da humanidade, a escravatura – delito de lesa-humanidade – foi formalmente abolida no mundo. O direito de cada pessoa não ser mantida em estado de escravidão ou servidão foi reconhecido, no direito internacional, como norma inderrogável” Os bispos continuam denunciando que, infelizmente, este flagelo continua sendo uma realidade inserida no tecido social.
“O trabalho escravo é um drama e não podemos fechar os olhos diante dessa realidade” CNBB.
A crueldade da Portaria do Ministério do Trabalho é chamada de “desumana” e que “faz fechar os olhos dos órgãos competentes do Governo Federal que têm a função de coibir e fiscalizar esse crime contra a humanidade”. Ao final da nota é feito, mais uma vez, um chamamento ao País. Todos conhecemos a história “onde vigorou a chaga da escravidão de modo legalizado”. Temos o dever de “repudiar qualquer retrocesso ou ameaça à dignidade e liberdade da pessoa humana”. Nosso povo não merece mais ser tratado assim. É justo que possamos esperar o mínimo de respeito do governo do país. Os direitos conquistados a duras penas não podem ser leiloados por troca de favores entre quem quer que seja. Não podemos pensar em um país que se desenvolve às custas da escravidão de alguém.
Dom Geremias Steinmetz
Arcebispo Metropolitano de Londrina