A devoção que surgiu num casebre humilde em Paranaguá em 1648 ganhou título de padroeira do Estado. Conheça a história da Mãe do Rocio, cuja imagem está em peregrinação pela arquidiocese até começo de novembro
Como nas Bodas de Caná, Nossa Senhora revela-se aos seus filhos especialmente nos momentos de maior dificuldade. Foi assim em Guadalupe, na aparição ao índio Juan Diego. Em Aparecida, com o encontro da imagem de Nossa Senhora no Rio Parnaíba do Sul. E em Paranaguá, no litoral do Paraná, com o encontro da imagem de Nossa Senhora do Rocio, que viria a se tornar padroeira do Estado.
Quem explica essa devoção é o devoto e missionário redentorista Jorge Tarachuque, C.Ss.R. Parnanguara (como são chamados os habitantes naturais de Paranaguá), ele aprendeu a devoção com os pais e, ao discernir sua vocação, consagrou-a a Nossa Senhora do Rocio. “Hoje posso dizer que sou um redentorista feliz com minha vocação”, destaca. Os Missionários Redentoristas são responsáveis pelo Santuário Estadual Nossa Senhora do Rocio desde 1945, servindo e acolhendo o povo de Deus que peregrina para expressar a fé na Mãe de Jesus e nossa Mãe. “Sinto a presença de Maria que abraça e resgata a esperança, alcança as graças de que cada um necessita. Nossa Senhora do Rocio é a mãe que ampara e fortalece.”
Para contar a história de Nossa Senhora do Rocio é preciso voltar no tempo, na época da colonização do Estado, que começou em 1578, com a ocupação da atual cidade de Paranaguá, elevada a vila em 1648. No contexto “de escravidão e opressão dos mais pobres, escravos e pescadores, que passavam fome e graves dificuldades”, nesse ano, durante uma pescaria, a imagem de Nossa Senhora do Rocio foi encontrada nas redes de um escravo chamado Pai Berê. “Ao jogarem a rede nas águas da Baía de Paranaguá, encontraram a imagem de Nossa Senhora do Rocio e em seguida muitos peixes para saciar a fome. Pai Berê era um homem de muita fé, agradeceu profundamente a graça recebida e fez de seu casebre humilde o primeiro espaço de devoção a Nossa Senhora do Rocio, lugar onde o povo foi se achegando e fortalecendo a fé. Muitas graças aconteceram neste lugar.”
O missionário explica que a devoção a Nossa Senhora do Rocio surgiu primeiro no coração humilde do escravo Pai Berê, num momento dramático de fome e miséria, e, depois, conforme as pessoas recorriam a ela, a devoção foi se espalhando. Do casebre humilde e despojado a devoção começou a agregar a vizinhança e a comunidade que ia até lá para fazer suas orações e súplicas. “Há muitos relatos de graças alcançadas, inclusive de marinheiros que sobreviveram de grandes tempestades e naufrágios ao recorrer a Nossa Senhora do Rocio… graças alcançadas de caráter individual, comunitário e público.”
Alguns meses depois, em 1686, uma peste assolou a região e foi a Nossa Senhora do Rocio que os moradores recorreram para se livrar da enfermidade. Consta no livro tombo da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário (atual Catedral de Paranaguá), que os habitantes da vila pediam para que ela os livrasse de uma terrível doença que se espalhava pelo mundo.
Os registros mostram que os habitantes receberam este favor e a peste foi milagrosamente banida do litoral do Paraná. O mesmo aconteceu em 1901, com a peste bubônica, e em 1918 com a gripe espanhola. Segundo historiadores, estes acontecimentos, espalhados pelos marinheiros e viajantes a partir do porto, firmaram a devoção em Nossa Senhora do Rocio como protetora da saúde, principalmente em casos de epidemias.
Uma igreja e um santuário a Nossa Senhora do Rocio
A devoção foi crescendo e em 1813 foi construída a primeira Igreja dedicada oficialmente a Nossa Senhora do Rocio. Em 1901, frente à peste bubônica e à gripe espanhola em 1918, o povo recorreu com muita fé a Nossa Senhora. Em 1920 foi construído o atual Santuário Estadual e diante da expressão de gratidão do povo ela tornou-se padroeira do Paraná em 1939, sendo oficializada pelo Vaticano e solenemente declarada padroeira pelo Papa São Paulo VI, em 1977. “O Vaticano reconheceu a benção de tantas graças alcançadas. Onde hoje está o Santuário Estadual Nossa Senhora do Rocio, considero como um lugar sagrado, lugar onde o mistério de Deus se deixa tocar”, pontua irmão Jorge.
No tempo em que trabalhou no santuário, de 2017 a 2019, depois de retornar ao Brasil após cinco anos na Missão Redentorista no Suriname, o missionário teve contato com muitos devotos. “Conversei com muitos peregrinos das mais diferentes localidades e causou-me grande admiração e emoção a quantidade de relatos intensos de graças alcançadas”, destaca. “Há casos que só a fé para compreender. Casos de pessoas desenganadas pelos médicos e pela fé estão vivas e continuam suas vidas e seus sonhos, porém há algo a mais com elas, como a alegria e gratidão a Nossa Senhora do Rocio.”
Segundo irmão Jorge, o significado da palavra “rocio”, orvalho, tem um vínculo importante com a terra e a natureza. O orvalho hidrata a terra, a natureza e sua biodiversidade, “e nos recorda de que somos parte da terra e da natureza, não somos seus donos, e que nossa Casa Comum necessita de cuidados para impedir sua destruição, os desmatamentos, poluição, queimadas”.
Por outro lado, Jorge fala que Nossa Senhora do Rocio também ensina a defender os direitos e a vida dos povos originários, mestres no cuidado com a Terra. “Que o significado de Rocio nos recorde sempre sermos guardiões da floresta, das fontes e nascentes e da biodiversidade, como expressão de gratidão ao Deus da Vida”, deseja.
Um século depois: Nossa Senhora Aparecida
A devoção a Nossa Senhora do Rocio já estava estabelecida quando, em 1717, um século depois do encontro da imagem em Paranaguá, pescadores pobres e oprimidos encontraram primeiro a cabeça e depois o corpo da imagem de Nossa Senhora Aparecida, nas águas do Rio Parnaíba do Sul, no Estado de São Paulo, seguida também do milagre da fartura de peixes. “A Mãe de Jesus manifestada em diversas culturas junto aos mais abandonados expressa o carinho pelo povo de Deus ao mesmo tempo em que expressa a bondade e gratuidade do Amor de Deus, especialmente aos mais pobres e humildes.”
A maior festa do Sul do país
O redentorista destaca que a festa a Nossa Senhora do Rocio, celebrada no dia 15 de novembro, em Paranaguá é a maior festa religiosa do sul do Brasil e a terceira em nível nacional, ficando atrás apenas da Festa do Santuário Nacional de Aparecida, e do Círio de Nazaré em Belém (PA), chegando a reunir, antes da pandemia 300 mil pessoas.
No dia da festa, uma procissão com a imagem sai do Santuário Estadual até a Catedral Diocesana de Paranaguá, reunindo mais de 100 mil pessoas. No dia seguinte, outra procissão, composta principalmente de parnanguaras, retorna com a imagem ao santuário, reunindo mais 100 mil pessoas.
Neste ano, em sua 208ª edição, a festa será nos dias 1º a 16 de novembro com o tema: “Mãe do Rocio, envolvei-nos em vosso manto de amor e proteção”. Como em 2020, a programação deste ano foi ampliada, com oito horários de missas por dia, para evitar aglomerações. Grande parte das celebrações também serão transmitidas pela internet.
Como de costume, durante a novena, diariamente, um bispo de uma das dioceses do Estado presidirá a missa das 19h. O arcebispo dom Geremais Steinmetz preside a celebração no dia 8 de novembro.
Clique <aqui> para acessar a programação da festa da padroeira no Santuário estadual Nossa Senhora do Rocio em Paranaguá.
Visita a Londrina
Como preparação para a festa estadual, a imagem da padroeira Nossa Senhora do Rocio está em Londrina desde o dia 8 de setembro. Ela peregrina pela arquidiocese até o dia 8 de novembro, quando o arcebispo dom Geremias a levará a Paranaguá para celebrar a novena em preparação para a festa. “Nós decidimos fazer este ano uma experiência nova, que é levar a imagem para as dioceses do interior do Estado, uma vez que a santa é padroeira do Paraná”, explica o reitor do Santuário Estadual do Rocio, padre Dirson Gonçalves.
A primeira parada foi a Catedral Metropolitana. Uma missa solene presidida pelo arcebispo recepcionou a padroeira. Ao todo, a imagem passou por 20 paróquias ou comunidades, com programação variada preparada por cada uma delas. Missas, grupos de oração, adoração, terço luminoso e bênção dos doentes foram algumas das atividades.
Dom Geremias acredita que este é um momento importante para se cultivar e propagar a devoção à padroeira do Paraná, especialmente na Arquidiocese de Londrina. “Estamos nos envolvendo com o Estado e desenvolvendo uma devoção que já é uma devoção presente no Paraná, entre os bispos, com os padres e que também esteja presente com o nosso povo” aponta o arcebispo.
Segundo o arcebispo, a peregrinação fez tanto sucesso que para o ano ele pensa em recebê-la novamente em Londrina. “Está sendo um sucesso nesse sentido, inclusive já estou pensando em firmar uma data para o ano que vem, para a gente poder receber a imagem de Nossa Senhor novamente, e aquelas paróquias que neste ano não puderam ser visitadas, poderão ser visitadas no próximo ano”, revela. “A gente percebeu essa motivação e como foi uma coisa que brotou espontaneamente e que brotou também de uma certa necessidade a gente vê que o resultado está sendo muito bom.”
Nesta última semana em Londrina, a imagem visita a Paróquia Nossa Senhora do Rocio, no Decanato Leste, única paróquia da arquidiocese dedicada à padroeira do Paraná e que neste ano comemora seu Jubileu de Ouro. Por isso, a imagem permanece ali durante uma semana. Clique <aqui> para acessar a programação na Paróquia Nossa Senhora do Rocio.
Confira algumas fotos da peregrinação por comunidades da Arquidiocese de Londrina:
Visita da imagem ao Oratório Nossa Senhora do Silêncio no dia 10 de setembro / Foto: Guto Honjo
Juliana Mastelini Moyses
Pascom Arquidiocesana
Matéria publicada na edição de outubro da Revista Comunidade. Clique <aqui> para acessar a edição completa.
Foto de destaque: Guto Honjo