Dia 24 de março, sexta feira, completar-se-ão 37 anos do martírio de Dom Oscar Romero, Arcebispo de El Salvador, beatificado pelo Papa Francisco em 23 de maio de 2015. Espera-se agora a sua canonização, ou seja, a declaração de que poderá ser venerado como santo no mundo inteiro. Neste sentido, o atual Arcebispo de El Salvador, Dom Gregório Rosa Chavez, juntamente com os demais bispos salvadorenhos, aproveitou o encontro que teve com o Papa Francisco, no último dia 20 de março, para falar sobre um milagre atribuído à intercessão de Dom Romero e pedir que seja declarado santo o quanto antes. Em sua bagagem, Dom Gregório levou inclusive uma carta do Presidente de El Salvador ao Papa, apoiando o pedido. A data da canonização poderá ser agosto deste ano, centésimo aniversario de seu nascimento. Outra possibilidade seria a Jornada Mundial da Juventude que vai acontecer em 2019 no Panamá.
A morte de Dom Romero foi conseqüência da opção que fez: ser pastor com o cheiro das ovelhas e defensor de seu povo. Sua arma foi a Palavra. Em suas homilias condenou a idolatria da riqueza, que no dizer de seu amigo e confidente, o teólogo Jon Sobrino, é como um fio de alta tensão: queima e geralmente mata quem o toca.
No domingo, dia 23 de março de 1980, um dia antes de ser morto, presidiu a Eucaristia na catedral superlotada de fiéis. Era o 5º domingo da Quaresma. Na homilia comentou que a “Quaresma é um chamamento para celebrar nossa redenção no difícil complexo de cruz e de vitória. Nosso povo, disse ele, atualmente está bem preparado para esta celebração. Todo o nosso ambiente nos fala de cruz. Porém, os que têm fé e esperança cristã sabem que por trás deste calvário que vive nosso país de El Salvador, está nossa Páscoa, nossa ressurreição. Essa é a esperança do povo cristão”.
Mais adiante na mesma homilia falou: “Durante estes Domingos da Quaresma, procurei ir descobrindo na revelação divina, na Palavra proclamada aqui na missa, o projeto de Deus para salvar os povos e os homens. Hoje, quando surgem diversos projetos históricos para nosso povo, podemos afirmar: terá vitória aquele que refletir melhor o projeto de Deus. (…). Por isso ninguém leve a mal, se à luz da Palavra divina lida em nossa missa, iluminamos as realidades sociais, políticas, econômicas, porque se não fizermos assim, não estaremos pregando o verdadeiro cristianismo. Foi assim que Cristo quis encarnar-se, para fazer-se luz e vida dos homens e dos povos”.
No final da homilia, fazendo aplicação prática da Palavra de Deus para o momento de então, foi contundente. Depois de relatar o catálogo de barbárie da semana que passara, com execuções extrajudiciais pelo exército, conclamou os soldados à desobediência civil e exigiu que deixassem de matar os próprios irmãos.
“Gostaria de fazer uma chamada, de maneira especial, aos homens do Exército, concretamente às bases da Guarda Nacional, da Polícia e dos Quartéis.(…)
Diante da ordem de matar dada por um homem, deve prevalecer a Lei de Deus que diz: Não matar… Nenhum soldado está obrigado a obedecer a uma ordem contra a Lei de Deus. Uma lei imoral, ninguém tem de cumpri-la. Já é tempo de recuperarem sua consciência e obedecerem antes à sua consciência do que à ordem do pecado.(…). Queremos que o Governo leve a sério que de nada servem as reformas se estão manchadas com tanto sangue. Em nome de Deus, pois, e em nome deste povo sofrido, cujos lamentos sobem até o céu, cada dia mais tumultuosos, suplico-lhes, rogo-lhes, ordeno-lhes: PAREM A REPRESSÃO!”. Neste momento, segundo o testemunho do reverendo Wiliam Wipfler, padre da Igreja anglicana, presente na celebração, a catedral rompeu em aplausos que duraram quase meio minuto, o mais longo dos 21 aplausos que interromperam a homilia daquele dia.
Sem dúvida, esta homilia foi a gota d´água. Por isso, no dia seguinte
Dom Romero foi morto, na capela da Divina Providência do Hospital do Câncer, em El Salvador. Um franco atirador, contratado pelas Forças de Segurança Nacional de seu país, o alvejou com uma única bala.
Desde sua morte, o sensus fidei de boa parte dos católicos latino-americanos canonizou Dom Romero com o título de “São Romero da América”. Trinta e sete anos depois, o processo de canonização parece chegar ao fim, oficializando o que o “instinto sobrenatural” dos fiéis já havia feito.
De todo o coração, demos graças a Deus.
São Romero da América, rogai por nós!
Dom Manoel João Francisco
Administrador Apostólico da Arquidiocese de Londrina
Bispo da Diocese de Cornélio Procópio