O Catecumenato, caminho privilegiado de iniciação à vida cristã
O Catecumenato foi uma das mais bem sucedidas instituições de iniciação à vida cristã na história da Igreja. Hoje, resgatada pelo Concílio Vaticano II, é a grande aposta para responder, com as devidas adaptações, aos atuais desafios da iniciação à vida cristã.
Segundo Dionísio Borobio, o Catecumenato é a instrução iniciática de caráter catequético-litúrgico-moral criada pela Igreja dos primeiros séculos, com o fim de preparar e conduzir os convertidos adultos, através de um processo espaçado e dividido por etapas, ao encontro pleno com o mistério de Cristo e a vida da comunidade eclesial.
O Catecumenato, caminho privilegiado de iniciação à vida cristã
O Catecumenato foi e continua sendo a pedagogia que muito tem a contribuir para a iniciação na fé, haja vista a similaridade entre ambos os momentos culturais: o do nascimento do catecumenato, quando tornar-se cristão era uma opção, e hoje, quando novamente cristãos não se nascem, mas se tornam.
O ontem e o hoje da instituição catecumenal
É pertinente uma breve visita histórica aos principais momentos do nascimento e desenvolvimento de uma das experiências de iniciação à fé cristã mais bem sucedidas na história da Igreja. Interessa-nos não somente a história do catecumenato, mas sobretudo os elementos pastorais e teológicos desta proposta pastoral mais do que atual.
Do Novo Testamento ao século II
Não há nos escritos sagrados um ritual elaborado de preparação para os novos membros que desejassem abraçar a fé cristã. O fato de não encontrarmos lá os termos iniciação ou catecumenato, não significa que não houvesse uma preparação e critérios de discernimento para quem desejava ser batizado na fé cristã. Exemplo clássico é o texto de At 8, 26-39 (Felipe que batiza o ministro da rainha da Etiópia).
Do Novo Testamento ao século II
Não há nos escritos sagrados um ritual elaborado de preparação para os novos membros que desejassem abraçar a fé cristã. O fato de não encontrarmos lá os termos iniciação ou catecumenato, não significa que não houvesse uma preparação e critérios de discernimento para quem desejava ser batizado na fé cristã. Exemplo clássico é o texto de At 8, 26-39 (Felipe que batiza o ministro da rainha da Etiópia).
Nessa perspectiva, a origem do catecumenato remete à própria atividade apostólica e à missão mesma de Jesus. No Novo Testamento estão os germes daquilo que será a instituição da iniciação da Igreja primitiva e sempre referencial para a evangelização.
Do século II ao IV
O catecumenato, no século II, já é uma prática pastoral bastante difundida, embora não fosse uma instituição estruturada e oficializada.
A partir do século II, a Igreja começa a elaborar um itinerário mais exigente aos que desejavam ser cristãos, assim a instituição catecumenal começa a ganhar corpo.
Nesse contexto de nascimento/desenvolvimento do catecumenato, os escritores apologéticos ofereceram uma contribuição fundamental. Os padres apologistas não se cansam de defender a originalidade da iniciação cristã em relação ao paganismo.
É nos séculos III e IV que o catecumenato ganhará uma estruturação em todas as comunidades cristãs. É nesse período que se encontra o catecumenato em plena potencialidade, com a exigência de uma sólida formação.
Nesse contexto, tem importância fundamental a Tradição apostólica de Hipólito de Roma, do início do século III. Trata-se de uma das principais referências sobre o catecumenato primitivo, e que de certa forma dão a base para a estruturação da instituição catecumenal. Ela oferece uma visão completa do que foi a pedagogia catecumenal da Igreja primitiva na primeira metade do século III.
A obra de Hipólito de Roma apresenta o itinerário catecumenal em três etapas: admissão-entrada ao catecumenato, tempo de catecumenato e eleição para o batismo.
Percebe-se já aqui a íntima relação entre liturgia e catequese, ou seja, perfeita integração entre formação-catequese, moral-conversão e ritual.
A ênfase na conversão e maturidade cristã é acompanhada pela abordagem doutrinal e bíblica em chave histórico salvífica, bem como pela introdução à oração e aos símbolos da fé. Já se vê ressaltada aqui a importância dos ritos durante o itinerário formativo.
A última etapa do longo e completo processo de iniciação correspondia à mistagogia: aprofundamento da experiência dos mistérios sacramentais recebidos (no tempo pascal).
A decadência do catecumenato
Após a paz constantina, o catecumenato entra num processo de paulatina decadência. A conversão já não é mais a grande exigência para entrar nas fileiras do cristianismo. Desaparece progressivamente o itinerário gradual, experiencial e comunitário da iniciação da fé.
Ao adaptar o catecumenato à nova realidade cultural, a Igreja coloca o acento da iniciação na preparação próxima aos sacramentos. Ou seja, quem pedia o batismo recebia uma iniciação abreviada em vista do batizado, em detrimento do processo catecumenal.
Nesse contexto, tem início o batismo de crianças, tornando-se uma prática generalizada a partir do século IV. A iniciação cristã já não é mais um processo que envolve toda a comunidade, nem muitos menos percorrida de acordo com o ano litúrgico.
Com a chegada da cristandade, portanto, desaparece o complexo processo catecumenal, agora reduzido à etapa ensino-instrução, via de regra dirigido a crianças.
Temos aqui o chamado catecumenato social, onde a comunidade cristã e a própria sociedade (ou civilização cristã) exerciam o papel da transmissão da fé, restando à Igreja tão somente a preocupação com a instrução doutrinal, isto é, a catequese propriamente dita.
O processo catecumenal é substituído pela sacramentalização. Isto compromete também a relação liturgia/catequese.
No segundo milênio, entre as principais mudanças está a dissociação da eucaristia em relação ao Batismo e a Confirmação, proveniente do batismo de crianças, e a separação de Batismo e Confirmação.
Com o passar do tempo, esta separação será ainda mais grave: passagem da Crisma para depois da Primeira Eucaristia. Portanto, perde-se, no segundo milênio, a unidade dos sacramentos da iniciação cristã, tão central para a Igreja dos primeiros séculos.
A restauração do catecumenato
A proposta metodológica catecumenal expressa no Ritual não é um livro de receitas a serem aplicadas ao pé da letra. Trata-se de proposta e orientações que exigem adaptações.
O livro litúrgico abre possibilidades a adaptações e elaboração de itinerários diversos, segundo as necessidades e as circunstâncias, conservando o essencial e garantindo a qualidade do processo.
O Ritual insiste na importância de levar em consideração o contexto vital de cada pessoa. A humanidade é, portanto, irrenunciável no itinerário catecumenal, isto é, chega-se à maturidade da fé com toda a carga de humanidade, e não apesar dela.
O RICA oferece basicamente duas possibilidades de fazer o percurso catecumenal: catecumenato pré-batismal e pós-batismal. Enquanto o primeiro é direcionado aos adultos não batizados, o segundo contempla as demais realidades: crianças na idade de catequese e jovens e adultos que por algum motivo ainda não chegaram à maturidade cristã.
Elementos eclesiológicos e pastorais da pedagogia catecumenal
Vamos identificar agora algumas características centrais, como que dimensões transversais que perpassam todo o processo de iniciação cristã catecumenal.
Progressividade
Partindo do pressuposto de que o catecumenato é “verdadeira escola preparatória à vida cristã” (AG, 14), consideramos que a progressividade na fé-conversão constitui não só a principal característica do catecumenato, mas sua própria identidade. Todos os elementos da pedagogia catecumenal visam a aquisição da plena maturidade cristã, que não pode ser conquistada a não ser através de um gradual itinerário formativo.
Onde melhor se evidencia o caráter progressivo da proposta do catecumenato é, portanto, na sua própria estrutura, marcada por tempos e etapas sucessivos.
Cada momento do itinerário percorrido conduz a um novo salto, ou seja, a um maior aprofundamento no crescimento da fé.
Todas as celebrações catecumenais são densas de significado no tocante à progressividade da maturidade cristã: ao celebrar o nível de maturidade conseguido no período anterior, elas (as celebrações) introduzem o catecúmeno na nova fase da aventura do crescimento espiritual.
Outro aspecto significativo ao caráter da progressividade da maturação da fé é o fator antropológico-teológico, que leva em consideração a individualidade de cada pessoa. A atenção ao ritmo de cada pessoa atesta que o ser humano é a prioridade no catecumenato.
O Ritual, atento a isso, não estipula tempo para a concretização da iniciação cristã catecumenal, respeitando a íntima relação entre Deus e o tempo-resposta do catecúmeno.
A gradualidade catecumenal aponta para o desejo de atingir todas as dimensões da vida cristã: adesão pessoal ao Deus de Jesus Cristo; compreensão e acolhida do plano da salvação; descoberta dos mistérios centrais da fé e das verdades fundamentais do cristianismo; aquisição de uma verdadeira mentalidade cristã; desenvolvimento da capacidade orante; iniciação na vida da comunidade eclesial e em particular a sua experiência litúrgica; abertura à vida apostólica e missionária; formação para a vida caritativa e a animação da ordem social.
A centralidade da vida eclesial no processo de iniciação cristã catecumenal
A comunidade é por excelência lugar de iniciação cristã. Não se chega a ser cristão sozinho, assim como não se permanece cristão em solidão.
A caminhada catecumenal se apresenta como um único caminho a ser percorrido com mão dupla, em direção ao Mistério Pascal: de um lado, o comprometimento de toda a comunidade no processo formativo do catecúmeno, e da parte deste, o caminhar em direção ao engajamento pleno na comunidade de fé. Ambos, comunidade e catecumenato, necessitam-se mutuamente para a maturidade da fé.
O rito de eleição reveste-se de intenso valor eclesial comunitário, por meio do qual os catecúmenos são eleitos para celebrar os sacramentos e viver a experiência sacramental juntamente com toda a comunidade.
A importância da comunidade no processo catecumenal está no fato de sua eficácia depender de comunidades vivas e dinâmicas. A transmissão da fé não depende de rebuscadas teorias ou pedagogias, mas de comunidades vivas que suscitam o desejo de participar de sua vida.
Sem comunidades vivas e atrativas, torna-se impossível o crescimento da fé.
A comunidade cristã, ao mesmo tempo que é sumamente responsável pelo processo de crescimento na fé dos catecúmenos, refaz e aprofunda ela mesma a própria caminhada da fé. Somente uma Igreja em constante processo de conversão poderá gerar e sustentar na fé novos membros.
A comunidade é ao mesmo tempo agente e destinatário da iniciação cristã. “A catequese conduz à maturação da fé não apenas os catequizandos, mas também a própria comunidade enquanto tal” (DGC, 221).
A comunidade eclesial é também catecúmena
Se toda a comunidade é convidada a renovar sua fé no Cristo com os catecúmenos, então também ela é beneficiada pela força ritual e simbólica dos ritos e tudo o que eles significam.
Diante do presente perigo do catecumenato acontecer à margem da vida eclesial, isolado do conjunto das atividades eclesiais, ou entendido como mais uma pastoral ao lado de outras, é preciso estar abertos para o alargamento da consciência de que toda a comunidade é catecumenal e catecúmena ao mesmo tempo.
O envolvimento da comunidade na iniciação à vida cristã
A tarefa de gerar novos filhos compete a toda a Igreja, o que significa que o compromisso com a iniciação cristã não se restringe somente aos catequistas e demais funções e ministérios envolvidos diretamente na iniciação cristã.
Os agentes específicos do catecumenato não substituem a participação ativa da comunidade, do mesmo modo que a iniciação cristã não pode ser uma parte da atividade pastoral, mas seu núcleo central.
A partir dessa sólida base ministerial comunitária, são oferecidas as funções e ministérios específicos que acompanham mais de perto o crescimento do catecúmeno:
Introdutor
Sua função é essencial no início do processo, por ajudar o simpatizante a acolher o dom da fé e iniciar o processo de conversão-maturidade cristã.
Padrinho/Madrinha
Recebe igualmente uma incumbência vital. Deve ser acolhido/a pelo exemplo de vida. Deve igualmente conhecer o candidato e testemunhar a sinceridade dele em ingressar no catecumenato, dando-lhe apoio por toda vida.
A estrutura do itinerário catecumenal
Pré-catecumenato: um tempo de descoberta
O pré-catecumenato, dedicado ao primeiro anúncio, é o primeiro grau do itinerário da iniciação à vida cristã, o qual em nenhuma hipótese deve ser omitido (RICA, 9).
Entre os objetivos centrais dessa etapa estão o despertar da fé (DAp, 278ª; 289; 299; DNC, 43) e o desejo de aderir e seguir a Cristo e à Igreja.
Trata-se de um primeiro contato com os fundamentos da vida cristã (RICA, 15), os quais serão gradualmente amadurecidos ao longo da caminhada. O que se pretende com o pré-catecumenato é auxiliar o candidato na abertura inicial à fé.
Pré-catecumenato: um tempo de descoberta
A importância do pré-catecumenato não pode ser desconsiderada por vários aspectos:
Anúncio do querigma:
Querigma é o conteúdo central do pré-catecumenato. “Se anuncia aberta e resolutamente o Deus vivo e Jesus Cristo” (RICA, 9).
O pré-catecumenato se distingue das demais etapas por seu caráter genuinamente querigmático e cristológico.
Pressuposto basilar do anúncio querigmático é a experiência de fé do próprio evangelizador, caso contrário, “corremos o risco de anunciar rios de palavras e discursos, mas não o querigma que provoca a profunda experiência da fé cristã”.
Pré-catecumenato: um tempo de descoberta
Acolhida
Do acolhimento inicial dependerá muito a continuação ou não do fiel no seu processo de iniciação.
Na caminhada catecumenal, para além da acolhida inicial e imediata do candidato, a dinâmica permanente da acolhida dá a tônica a toda essa primeira etapa, com destaque dos encontros informais, que são laboratórios de partilha, escuta, discernimento, testemunho, hospitalidade, corresponsabilidade.
Pré-catecumenato: um tempo de descoberta
No esforço de promover relações calorosas e fraternas, os encontros durante essa etapa buscam renunciar a qualquer tom de formalidade (espaço para partilha/escuta). Levar a sério a historicidade do candidato é tarefa insubstituível da evangelização pré-catecumenal.
Conclui-se o pré-catecumenato “com o ingresso no grau do catecumenato” (RICA, 7), através do rito de admissão. Nesse momento, a acolhida é ritualmente celebrada, com gestos profundos que apontam para a graça de Deus (RICA, 319).
Catecumenato: a segunda etapa do processo de iniciação
Este é o período mais longo e central do processo catecumenal, caracterizado por uma formação mais intensa, através da qual se mergulha mais profundamente no mistério do Deus de Jesus Cristo.
A catequese ocupa um lugar central na fase catecumenal. Trata-se da sua principal atividade.
Nas palavras do RICA, “o catecumenato é um espaço de tempo em que os candidatos recebem formação e exercitam-se praticamente na vida cristã. Desse modo, adquirem madureza as disposições que manifestaram pelo ingresso (RICA, 19).
É a partir dessa etapa que se dá início a uma maior integração fé/vida, catequese/liturgia. Embora a integração entre catequese e liturgia não seja exclusiva desse segundo período, é aqui que ela é intensificada.
CATEQUESE/LITURGIA
Os documentos do magistério eclesial insistem na articulação entre liturgia e catequese, afirmando inclusive de forma muito feliz que a liturgia é fonte mesma da catequese.
O Diretório Nacional Catequético assim se expressa: “Os autênticos itinerários catequéticos são aqueles que incluem em seu processo o momento celebrativos como componente essencial da experiência religiosa cristã” (DNC, 118).
Investir em uma iniciação cristã litúrgico-sacramental que relacione anúncio, formação, celebração e vivência da fé é um caminho necessário para superar uma compreensão catequética concebida unicamente como doutrina, e a liturgia como apêndice à educação da fé.
Não seria a distância entre catequese e liturgia a principal vilã da não continuação da vida comunitária eclesial após a recepção dos sacramentos?
A liturgia, diz a Sacrosanctum Concilium, é cume e fonte da vida cristã (SC, 10). Então uma catequese que não se inicia na vida litúrgica perde sua razão de ser, além de transformar os sacramentos em mero ritualismo individualista.
Centralidade do Ano Litúrgico
No processo catecumenal, o Ano Litúrgico recebe a centralidade em dois momentos: nos conteúdos, isto é, a narração da História da Salvação, baseada no tempo litúrgico, e nas celebrações litúrgicas catecumenais realizadas em sintonia como o Ano Litúrgico, cujo destaque está no tempo pascal.
“Cuidem de que a catequese seja penetrada do espírito evangélico, em harmonia com os ritos e o calendário litúrgicos, adaptada aos catecúmenos e, na medida do possível, enriquecida pelas tradições locais” (RICA, 48).
tempo da purificação/ iluminação
O tempo da iluminação, realizado no período da Quaresma, é o mais curto das quatro etapas. O enfoque nesse período é colocado não na catequese e sim na vida interior (profunda revisão de vida, exame de consciência e espírito de penitência) (RICA, 25).
Inicia-se esse tempo com a “eleição” do catecúmeno aos sacramentos da iniciação cristã (ponto capital de todo catecumenato) (RICA, 22). Os não batizados declaram o desejo de se tornarem cristãos, enquanto os já batizados, de completar a iniciação sacramental, e diante de tal desejo são “eleitos para serem iniciados nos sagrados mistérios (RICA, 147).
d) Mistagogia: aprofundar a graça sacramental
A recepção dos sacramentos não configura o término do itinerário da iniciação. Um antes, um durante e um depois da celebração sacramental garantem a novidade da proposta catecumenal enquanto participação gradual no mistério de Cristo e da Igreja.
A experiência mistagógica, feita nesse quarto tempo, é um período para maior conhecimento e vivência dos mistérios celebrados, da linguagem simbólica; é um período para aprofundamento e experimento da graça sacramental. Enfim, a característica maior da mistagogia é a experiência.
d) Mistagogia: aprofundar a graça sacramental
Trata-se de uma experiência nova e pessoal dos sacramentos e da comunidade (RICA, 40).
A comunidade deve se empenhar a fim de que a integração dos neófitos na comunidade seja “completa e feliz” (RICA, 235).
A liturgia será o modo ordinário de viver a graça do Mistério Pascal. Daí a importância e “lugar primordial das missas dominicais” (RICA, 40).
Que se conclua o tempo da mistagogia com uma celebração especial, próximo ao domingo de Pentecostes, inclusive com festividades externas.