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Padre conclui mestrado em Mariologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia Marianum, de Roma

 

“Quis conhecer mais para amar mais e quanto mais eu amo, mais eu quero conhecer! Isso é muito forte para mim e foi o que me norteou”. É com todo esse sentimento de amor que o padre Valdomiro Rodrigues da Silva, da Paróquia Nossa Senhora da Luz (Decanato Centro), dividiu por anos seu tempo entre as atribuições de pároco e a sua dissertação de mestrado recém-aprovada. Agora ele é mestre em Teologia com especialização em Mariologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia Marianum, de Roma, na Itália. Sob o título: “A veneração à Nossa Senhora Aparecida na liturgia e na piedade popular”, ele se debruçou por toda a história de Aparecida, desde o encontro da imagem num período turbulento que foi a escravidão no Brasil, o crescimento da devoção à Virgem, a comemoração dos 300 anos, em 2017, e toda uma simbologia desse que se tornou o maior santuário mariano do mundo. 

 

Como a devoção a Nossa Senhora Aparecida se tornou tão forte?

A devoção à Nossa Senhora Aparecida se passa dentro de um contexto social muito peculiar para a história do Brasil, no período da escravidão. A forma como é encontrada pelos pescadores, os sinais que se sucederam ao evento, o fato de a imagem ser escura, mostrando uma proximidade muito grande com a escravatura. Isso, para os escravos, foi um sinal estupendo. Essa devoção se difundiu muito, não só entre os escravos porque passava muita gente pela região da Vila de Guaratinguetá (SP). Ali é um entroncamento dos que vinham de São Paulo e seguiam para o Rio de Janeiro, mas também que subiam de São Paulo para Minas (Gerais). Passava muita gente por ali. Mas esse aspecto do escravo me chamou muita atenção e a devoção a partir dele, principalmente após a libertação do escravo Zacarias, que era do Paraná, fugiu e foi capturado por aquela região. Ele pediu para rezar diante da imagem de Nossa Senhora na capelinha e as correntes se soltaram [milagre representado numa pintura na sala dos milagres, no Santuário de Aparecida]. Foi a libertação diante da imagem da Imaculada Conceição. Ele conseguiu a graça da libertação das correntes. A partir daquele evento, abre-se um precedente porque todos os escravos queriam ser libertos e, quando permitido por seus donos, passaram a rezar diante da imagem por sua libertação. O amor por aquela Mãe que estava atenta às necessidades deles é muito grande porque ela sempre aparece diante de uma necessidade específica, muito próxima da realidade social do lugar.

 

Em Aparecida não é uma aparição, porque ela não apareceu, ou algum tipo de mariofania, que é quando um quadro ou imagem apresenta algum sinal extraordinário como verter sangue, lacrimejar, ou tem algum sinal nos olhos, isso tudo são manifestações de Maria. Em Aparecida não ocorre nenhuma das duas coisas, é uma imagem que é encontrada. E a partir dessa imagem começa a acontecer os sinais. Em Aparecida se vê o carinho da Mãe pelos seus filhos, com esses sinais muito próximos, muito concretos, sensíveis à realidade das pessoas.  

 

Depois, a própria princesa Isabel também era muito devota de Nossa Senhora Aparecida porque não podia ter filhos e após ter feito promessa teve três filhos, agraciando a imagem com o manto e a coroa como gratidão. Embora não haja documento oficial, estudiosos acreditam que esses acontecimentos tiveram influência na assinatura da Lei Áurea (13 de maio de 1888) pela abolição da escravatura. Os escravos atribuíram à imagem a interferência pela libertação. Há autores que relatam outro escravo que não teve as correntes rompidas diante da imagem. Mas, ao percorrer o cortejo da princesa que passava pelo santuário, implorou diante dela por sua libertação. A princesa se compadeceu e mandou soltá-lo. A intercessão da santa também foi atribuída nesse gesto.    

 

Tudo isso para mim mostra como começa a devoção à Nossa. Senhora no Brasil, com esses sinais muito próximos e concretos, sensíveis às necessidades das pessoas. A santa milagreira como chamavam, possivelmente teve influência na princesa. Aqui vemos as raízes dessa devoção social, amorosa, piedosa em que muitas pessoas puderam se colocar ali, diante da Mãe. É a devoção mais forte, popular e evidente. E essa é a devoção que permanece 300 anos depois, como a Mãe encontra o filho e um filho que vai ao encontro da Mãe, em peregrinações e romarias.

 

A devoção continua forte mesmo depois de 300 anos?

Do ponto de vista devocional houve um esfriamento. Temos outros lugares de devoção no Brasil, mas que não recebem tantos devotos. Talvez o evento mais próximo seja o do Círio de Nazaré [que ocorre em Belém, no Pará], que concentra milhares pessoas para um evento específico, mas Aparecida tem visitas o ano inteiro. O católico conserva essa devoção. O Brasil ainda é de maioria católica e ele sente por Maria uma devoção filial, sente que tem o dever de visitá-la. Todo católico quer ir à Aparecida ao menos uma vez na vida. Eu vejo isso extremamente positivo, a devoção mariana não caiu em decadência, mas se sustenta.

 

A devoção a Aparecida é regionalizada. As aparições, onde quer que aconteçam, são em geral regionalizadas, mas podem tornar-se mundialmente conhecidas, como Fátima, Lourdes, Salete. Em outros países existem muitos eventos marianos. Na Itália há uma infinidade de eventos. Na África, por exemplo, e nem sequer tomamos conhecimento. Como Guadalupe que é uma festa local, para a América Latina. Qualquer devoção é sempre local, podendo ser difundida para o mundo.

 

Depois de tanto tempo estudando Maria, como fica o sentimento ao final do trabalho? E quais são os planos futuros?

Por incrível que pareça não tenho a sensação de ter terminado algo porque antes de ir para Roma, em 2014, já dava aulas para leigos de Mariologia há 12 anos. Quando cheguei lá me dei conta que não sabia nada (risos). Na Mariologia não existe todas as questões fechadas, ainda há muito em aberto, por isso quero continuar lendo, estudando, conhecendo. Estudei, aprendi, adquiri conhecimento, foi um caminho de descoberta, mas ainda há muito por conhecer. A sede continua. Sobre livros, pretendo publicar a dissertação, estou vendo contatos e como fazê-lo. Preciso adaptá-la para um livro popular de modo que outros também possam mergulhar um pouquinho na história de Aparecida.

 

O estudo foi muito rico, foi um aprendizado maravilhoso, estando em Roma, no berço do cristianismo, ter acesso a tantas coisas maravilhosas da nossa Igreja. Isso enriquece muito a gente. E é isso que procuro fazer em cada curso ou formação. Quero levar as pessoas a esse conhecimento, se aproximarem mais de Maria. Que ninguém esqueça que temos uma Mãe, que nos foi dada por Jesus aos pés da cruz e por meio dela chegamos a Jesus. “Faça tudo o que Ele vos disser” é o único pedido de Maria na Bíblia, quer dizer: Escuta o que Ele diz, presta atenção às palavras Dele. O papa Paulo VI escreve em seu documento que Maria nos ajuda a nos aproximarmos de Jesus. 

 

Luciana Maia Hessel
Pascom Arquidiocesana

Entrevista publicada na edição de agosto – setembro da Revista Comunidade. <Clique aqui> para acessar a revista completa.

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