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Natal também é tempo de reflexão, principalmente com as minorias, que são os que mais sofrem em uma sociedade consumista e intolerante

[dropcap]J[/dropcap]esus nasceu em uma manjedoura, sem luxo e nem ouro, apesar de sua majestade. Durante sua vida, o Cristo procurou manter este mesmo espírito de humildade e compaixão por aqueles que são mais pobres e marginalizados. Tanto tempo depois, a mensagem do Filho de Deus continua presente e ecoando no coração de todos os cristãos, ainda mais em um período em que nos deparamos com diversos problemas sociais, como aumento do número de famílias na miséria.

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Pe. Cristiano é Pároco da Paróquia Nossa Senhora Aparecida Km9 – Decanato Sul (Foto arquivo pessoal)

Para chamar atenção sobre esta temática, o Jornal da Comunidade (JC) conversou com o Padre José Cristiano Bento dos Santos, paróco da Paróquia Nossa Senhora Aparecida Km9, decanato sul. Sacedorte desde dezembro de 2013, Santos possui trabalho de destaque na Arquidiocese de Londrina por sua atenção e dedicação com os mais pobres e oprimidos, levando a palavra e ajuda necessária para o sustento e defesa do corpo e da alma. Segundo ele, “a solidariedade está na base do mistério do Natal”.

 Jornal da Comunidade: Como um todo, o que significa o Natal?

Pe. José Cristiano Bento dos Santos: Natal é nascimento e culturalmente significa o nascimento de Jesus. Para o cristianismo, o Natal é a celebração de um dos ministérios da fé cristão: “o Verbo se fez carne, e habitou entre nós”(Jo 1,14). Como disse o Papa Bento XVI: “Deus que desceu do Céu para entrar na nossa carne. Em Jesus, Deus encarnou-se, transformou-se homem como nós”. Na mesma linha cristológica afirma o Papa Francisco: “Ele é a Palavra de Deus que se fez homem e colocou a sua “tenda”, a sua morada entre os homens (…). Deus se fez mortal, frágil como nós, partilhou a nossa condição humana, exceto o pecado, mas tomou sobre si os nossos, como se fossem Dele. Entrou na nossa história, tornou-se plenamente Deus conosco”.Os dois papas se fundamentam na teologia do Concílio Vaticano II. No Mistério da Encarnação, Deus assumiu a realidade humana nas suas diversas dimensões como: a cultura, a religião e a política. Ele se fez história: “No ventre de Maria, Deus se fez homem. Mas na oficina de José Deus também se fez classe” (Dom Pedro Casaldáliga).  

 JC: O que nos falta para vivermos um bom Natal?

Pe. José Cristiano: Falta compreensão e práxis dos princípios cristãos que estão na proposta do mistério da Encarnação: o Natal. Falta  superação da exclusão social e desigualdades abissais, que existem no nosso país.

O Brasil é considerado cristão, por causa dos 75 milhões de católicos e evangélicos que supostamente aderiram essa profissão de fé tradicional. Mas, para aqueles que conhecem a história do Brasil desde o seu descobrimento, sabem que o mesmo é um país estamental (oligarquias), autoritário, patrimonialista e racista, com uma grande concentração de poder e de renda na mão de poucos. Percebe-se que é um Brasil de cristãos “sem Cristo”. Para vivermos um bom Natal precisamos superar esse sistema que exclui, degrada e mata, como disse o Papa Francisco, com o jeito de ser do cristianismo primitivo.

 JC: A solidariedade é uma marca deste período?

Pe. José Cristiano: A solidariedade está na base do mistério do Natal. Como disse o Papa Francisco: “O Natal nos revela o amor imenso de Deus pela humanidade”. Deus foi tão solidário ao ser humano que quis assumir a sua realidade, principalmente a dos mais empobrecidos como nos mostra o Evangelho de São Mateus: “Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e foste me ver (…). Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes” (Mt 25, 35-36. 40b). Natal é solidariedade para com o menino Jesus presente nas crianças pobres, que vivem na rua, na rota do tráfico, na exploração sexual e na exploração trabalho infantil. É também solidariedade para com Jesus presente no indígena que precisa de demarcação de terra; na mulher que sofre machismo, violência doméstica e feminicídio; na  população negra que sofre racismo, exclusão social, extermínio dos jovens e intolerância religiosa; nos homossexuais e transexuais, que são tratados com preconceito, discriminação sexual e violência moral, verbal e física.

 JC: Vivemos o Ano da Misericórdia e recentemente celebramos o Dia Mundial dos Pobres. Qual a importância de mantermos este espírito em nossas vidas?

Pe. José Cristiano: O Papa Francisco propôs estes dois momentos (Ano da Misericórdia e Dia Mundial dos Pobres) para legitimar o seu projeto de Igreja que é o mesmo de Jesus: “Uma Igreja pobre para os pobres”. Por isso que o mesmo papa afirmou na Evangelii Gaudium 49: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos”. Manter este mesmo espírito do Ano da Misericórdia e Dia Mundial dos Pobres é um meio para os cristãos superarem a pobreza, pois ela é um produto gerado pela própria sociedade, e não vontade de Deus como esse sistema excludente prega para os pobres.

 JC: Estamos em um período de divisão, intolerância e desrespeito, principalmente com as minorias. Como aproveitar o tempo natalino para mudar esta realidade?

Pe. José Cristiano: Há muito ódio, raiva, rancor, discriminação, preconceito, racismo, intolerância religiosa, sexual, social e repulsa na sociedade brasileira. Tudo isso é falta não só da intolerância, mas do respeito que é mais profundo, pois você pode tolerar alguém, e ao mesmo tempo tratá-lo com indiferença. Agora, o respeito leva à aceitação e reconhecimento do outro. Natal é aceitação das minorias, digo isso, porque Deus se assumiu a condição da minoria social e econômica, ou seja, dos pobres; daqueles e daquelas que eram excluídos da sociedade da época. O espírito natalino exige do cristão uma profunda conversão, uma mudança de mentalidade. Por isso, é preciso compreender e praticar a essência do Natal que é, respeito (aproximação) das minorias étnicas, raciais, sexuais, econômicas e sociais.

 JC: O que podemos esperar do lado social do Natal para o agora e o futuro?

Pe. José Cristiano: O sistema capitalista fez as festividades religiosas, principalmente o Natal, adquirirem um significado mercadológico e consumista. Natal é um momento propício para reconhecer na face do próximo, especialmente dos mais fracos e marginalizados, a imagem do Filho de Deus feito homem. É um tempo em que o espírito humano se torna mais solidário, principalmente no atendimento de algumas necessidades básica dos pobres, como comida, pois alguns saem distribuindo cestas básicas. Para quem está com fome isso é importante, mas precisa ir além de pequenas iniciativas materiais. É preciso implementar projetos que superem a desigualdade social e atendam as necessidades dos pobres com casa, terra, trabalho, salário justo, saúde de qualidade nos postos e nos hospitais, educação e escola de qualidade e lazer.  

 JC: Como o senhor vê o papel da Igreja nisto?

Pe. José Cristiano: A Igreja esteve sempre presente na sociedade, sobretudo nos setores da educação, saúde e assistência social. O Concílio Vaticano II compreende a Igreja presente no mundo como servidora dele, por isso que ela tem que ser uma voz presente na vida da sociedade. A realidade social atual do Brasil é drástica, principalmente por ser um momento de desmonte do Estado Social de Direito, o que efetivamente implica em retirar direitos sociais dos pobres através de pacotes de leis regressivas. Precisa-se intensificar e consolidar o diálogo entre a sociedade civil e seus representantes. Percebe-se que a Igreja, por meio da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), tem feito isso de forma profética. Gostaria de citar um exemplo da Arquidiocese de Londrina, que foi noticiada sobre a reintegração de posse do Residencial Flores do Campo, na zona norte de Londrina, em novembro. No mesmo dia, a Arquidiocese por meior da Comissão Justiça e Paz (CJP) publicou um Nota em apoio às famílias moradoras deste residencial e posteriomente manifestou solidariedade espiritual e física em momento Inter-religioso no residencial.

 JC: Como difundir a esperança do Cristo que nasce em meio a tantas dificuldades?

Pe. José Cristiano: O “Natal de Jesus, a festa da confiança e da esperança, que supera a incerteza e o pessimismo”, foi um dos temas da reflexão do Francisco, em uma de suas catequeses. Segundo o papa, a “razão da nossa esperança é Deus que está conosco e confia ainda em nós”. Explicando que pelo fato de Deus estar junto ao homem “que transcorre os seus dias na tristeza e na alegria”, “a terra não é mais somente um ‘vale de lágrimas’, mas é um local onde Deus mesmo fixou a sua tenda, é o lugar de encontro de Deus com o homem, da solidariedade de Deus com o homem”. É fundamental anunciar o Natal, nascimento do menino Jesus que também aconteceu num momento de tantas dificuldades, como a festa da confiança e da esperança. Este anúncio deve ser realizado através do testemunho de cada um e de cada uma na luta por uma sociedade justa, pois Natal é humanização dos cristãos.

Pedro Marconi
PASCOM Arquidiocesana

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