No dia de sua ressurreição, Cristo apareceu para os Apóstolos e disse ser ele mesmo missionário do Pai. Em seguida, enviou seus discípulos e missão. “Assim como o Pai me enviou, eu vos envio”(Jo 20,21)

Nossa Igreja nasceu missionária. A missionariedade está no seu DNA. Neste sentido, o Papa Francisco tem sido enfático, afirmando com todas as letras que o trabalho missionário é tarefa de todo católico e de toda católica. Citando o Documento de Aparecida, lembra que “não podemos ficar tranquilos, em espera passiva, em nossos templos” sendo necessário passar “de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária” (EG 15). O Papa, diz mais: A Igreja deve ser “uma Igreja em saída”, sem medo de tomar iniciativas, de ir ao encontro, de envolver-se, de encurtar distâncias, de procurar os afastados e de chegar às encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos (EG 24).

Portanto, não se trata de uma opção à qual uns poderão aderir e outros não. No momento em que os cristãos não sentirem mais motivação para anunciar o Evangelho, a Igreja deixará de ser Igreja. Trata-se de ser ou não ser. “Se anuncio o Evangelho, não tenho de que me gloriar, pois que me foi imposta esta obrigação: ai de mim se não evangelizar” (1Cor 9,16).

O Papa Paulo VI traduz, para os dias de hoje, a preocupação de São Paulo da seguinte forma: “A apresentação da mensagem evangélica não é para a Igreja uma contribuição facultativa: é um dever que lhe incumbe, por mandato do Senhor Jesus, a fim de que os homens possam acreditar e ser salvos. Sim, esta mensagem é necessária; ela é única e não poderá ser substituída. Assim, ela não admite indiferença, nem sincretismo, nem acomodação. É a salvação dos homens que está em causa” (EN 5).

Poderá parecer estranho falar em missão no mundo de hoje, marcado pela pluralidade e pela liberdade de opção, principalmente no campo religioso. De fato, para muitos, o anúncio da mensagem evangélica perdeu sua primazia e o esforço de conduzir as pessoas para a Igreja tornou-se secundário.

Apesar destes questionamentos a Igreja continua reafirmando que o mandato missionário feito por Cristo, no momento de voltar para o Pai, continua válido.

A saída está no testemunho e no diálogo. Em sua tarefa missionária, os cristãos não pretendem nem convencer nem converter ninguém. Buscam apenas testemunhar sua fé e dialogar, respeitando as pessoas e as culturas, conscientes de que a consciência das pessoas é um sacrário que não se pode violar.

Como muito bem lembra o Papa Francisco na encíclica A Luz da Fé: “Quem crê não é arrogante; ao contrário, a verdade o faz humilde, sabendo que mais do que nós a possuirmos, é ela quem nos circunda e possui. Longe de enrijecer-nos, a segurança da fé nos põe a caminho e torna possível o testemunho e o diálogo com todos” (n.34).

Ao testemunho segue-se o diálogo que pode acontecer de quatro formas diferentes.

  1. a) Diálogo da vida, quando o cristão faz suas as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos seus irmãos, principalmente dos pobres e de todos os que sofrem (cf. GS 1).
  2. b) Diálogo das obras, quando o cristão colabora com outras pessoas, inclusive com as que pensam de forma diferente e têm outra religião, na construção de um mundo de fraternidade e solidariedade, ou seja, na antecipação do Reino de Deus.
  3. c) Diálogo dos intercâmbios teológicos, quando o cristão tenta compreender e aprofundar os valores espirituais de irmãos de outra religião, ou daqueles que não professam religião nenhuma.
  4. d) Diálogo da experiência religiosa, quando o cristão partilha sua experiência de fé com irmãos que professam fé diferente ou se dizem agnósticos.

O Papa Francisco explica que ação missionária realiza-se em três âmbitos.

O primeiro âmbito é o da pastoral ordinária. Orienta-se “para o crescimento dos crentes, a fim de corresponderem cada vez melhor e com a sua vida ao amor de Deus” (EG 14).

O segundo âmbito ocupa-se das pessoas batizadas, mas que não vivem as exigências do batismo. São os católicos de ocasião. “Mãe sempre solícita, a Igreja esforça-se para que elas vivam uma conversão que lhes restitua a alegria da fé e o desejo de se comprometerem com o Evangelho” (EG 14).

O terceiro âmbito tem como objetivo proclamar “o Evangelho àqueles que não conhecem Jesus Cristo ou que sempre o recusaram” (EG 14). A todos, mas especialmente a estes últimos, o Evangelho precisa ser anunciado como experiência de vida. Não se pode esquecer nunca que “a Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração” (EG 14).

Diante das exigências da missão, em nossos dias, por onde começar?

Com o Papa João Paulo II, vamos responder que “o chamado à missão deriva, por sua natureza, da vocação à santidade. Todo missionário só o é, autenticamente, se se empenhar no caminho da santidade” (RM 90).

Dom Manoel João Francisco
Administrador Apostólico da Arquidiocese de Londrina
Bispo Diocesano de Cornélio Procópio 

Dia 24 de março, sexta feira, completar-se-ão 37 anos do martírio de Dom Oscar Romero, Arcebispo de El Salvador, beatificado pelo Papa Francisco em 23 de maio de 2015. Espera-se agora a sua canonização, ou seja, a declaração de que poderá ser venerado como santo no mundo inteiro. Neste sentido, o atual Arcebispo de El Salvador, Dom Gregório Rosa Chavez, juntamente com os demais bispos salvadorenhos, aproveitou o encontro que teve com o Papa Francisco, no último dia 20 de março, para falar sobre um milagre atribuído à intercessão de Dom Romero e pedir que seja declarado santo o quanto antes. Em sua bagagem, Dom Gregório levou inclusive uma carta do Presidente de El Salvador ao Papa, apoiando o pedido. A data da canonização poderá ser agosto deste ano, centésimo aniversario de seu nascimento. Outra possibilidade seria a Jornada Mundial da Juventude que vai acontecer em 2019 no Panamá.

A morte de Dom Romero foi conseqüência da opção que fez: ser pastor com o cheiro das ovelhas e defensor de seu povo. Sua arma foi a Palavra. Em suas homilias condenou a idolatria da riqueza, que no dizer de seu amigo e confidente, o teólogo Jon Sobrino, é como um fio de alta tensão: queima e geralmente mata quem o toca.

No domingo, dia 23 de março de 1980, um dia antes de ser morto, presidiu a Eucaristia na catedral superlotada de fiéis. Era o 5º domingo da Quaresma. Na homilia comentou que a “Quaresma é um chamamento para celebrar nossa redenção no difícil complexo de cruz e de vitória. Nosso povo, disse ele, atualmente está bem preparado para esta celebração. Todo o nosso ambiente nos fala de cruz. Porém, os que têm fé e esperança cristã sabem que por trás deste calvário que vive nosso país de El Salvador, está nossa Páscoa, nossa ressurreição. Essa é a esperança do povo cristão”.

Mais adiante na mesma homilia falou: “Durante estes Domingos da Quaresma, procurei ir descobrindo na revelação divina, na Palavra proclamada aqui na missa, o projeto de Deus para salvar os povos e os homens. Hoje, quando surgem diversos projetos históricos para nosso povo, podemos afirmar: terá vitória aquele que refletir melhor o projeto de Deus. (…). Por isso ninguém leve a mal, se à luz da Palavra divina lida em nossa missa, iluminamos as realidades sociais, políticas, econômicas, porque se não fizermos assim, não estaremos pregando o verdadeiro cristianismo. Foi assim que Cristo quis encarnar-se, para fazer-se luz e vida dos homens e dos povos”.

No final da homilia, fazendo aplicação prática da Palavra de Deus para o momento de então, foi contundente.  Depois de relatar o catálogo de barbárie da semana que passara, com execuções extrajudiciais pelo exército, conclamou os soldados à desobediência civil e exigiu que deixassem de matar os próprios irmãos.

“Gostaria de fazer uma chamada, de maneira especial, aos homens do Exército, concretamente às bases da Guarda Nacional, da Polícia e dos Quartéis.(…)

romero america 1
Dom Romero

Diante da ordem de matar dada por um homem, deve prevalecer a Lei de Deus que diz: Não matar… Nenhum soldado está obrigado a obedecer a uma ordem contra a Lei de Deus. Uma lei imoral, ninguém tem de cumpri-la. Já é tempo de recuperarem sua consciência e obedecerem antes à sua consciência do que à ordem do pecado.(…). Queremos que o Governo leve a sério que de nada servem as reformas se estão manchadas com tanto sangue. Em nome de Deus, pois, e em nome deste povo sofrido, cujos lamentos sobem até o céu, cada dia mais tumultuosos, suplico-lhes, rogo-lhes, ordeno-lhes: PAREM A REPRESSÃO!”. Neste momento, segundo o testemunho do reverendo Wiliam Wipfler, padre da Igreja anglicana, presente na celebração, a catedral rompeu em aplausos que duraram quase meio minuto, o mais longo dos 21 aplausos que interromperam a homilia daquele dia.

Sem dúvida, esta homilia foi a gota d´água. Por isso, no dia seguinte

Dom Romero foi morto, na capela da Divina Providência do Hospital do Câncer, em El Salvador. Um franco atirador, contratado pelas Forças de Segurança Nacional de seu país, o alvejou com uma única bala.

Desde sua morte, o sensus fidei de boa parte dos católicos latino-americanos canonizou Dom Romero com o título de “São Romero da América”. Trinta e sete anos depois, o processo de canonização parece chegar ao fim, oficializando o que o “instinto sobrenatural” dos fiéis já havia feito.

De todo o coração, demos graças a Deus.
São Romero da América, rogai por nós!

Dom Manoel João Francisco
Administrador Apostólico da Arquidiocese de Londrina
Bispo da Diocese de Cornélio Procópio

A Quaresma tem sua origem nos quarenta dias de preparação imediata dos catecúmenos ao batismo na noite de Páscoa e à reconciliação dos penitentes na Quinta feira Santa pela parte da manhã. Quando o batismo de crianças se generalizou e a penitência pública se transformou em penitência privada, a Quaresma passou a ser, para todos os cristãos já batizados, um tempo de revisão de vida. Ainda hoje, expressam esta disposição, assumindo as práticas penitenciais, antes praticadas pelos catecúmenos e pelos penitentes. Durante, ou mais no final da Quaresma, celebram o sacramento da confissão e na vigília pascal renovam as promessas batismais.

No próximo domingo, o terceiro da Quaresma, as leituras nos remetem para o tema da água, símbolo principal do batismo, e também da confissão, pois como lembra Santo Ambrósio, a pecadora do Evangelho se purificou dos pecados lavando os pés de Jesus com a água de suas lágrimas (A Penitência, II, 8,66).

A primeira leitura colocava diante dos olhos e do coração dos catecúmenos e dos penitentes, e hoje diante de nossos olhos, a trágica história do povo de Israel que, em Meribá e em Massa, provocou o Senhor, apesar de ter presenciado tantas maravilhas de Deus em seu favor. Este acontecimento marcou profundamente a história e a espiritualidade do povo. É recordado em diversos textos do Antigo Testamento:

“Tentaram a Deus no seu coração, pedindo comida segundo seu capricho. Falaram contra Deus dizendo: Será que Deus pode preparar uma mesa no deserto? Eis que bateu na rocha, escorreram águas e as torrentes transbordaram” (Sl 78,18-20). “Vinde, exultemos no Senhor, aclamemos o Rochedo que nos salva” (Sl 94,1). “Eles nunca passaram sede, mesmo quando os conduzia pelo deserto. Para eles tirou água de uma pedra: bateu na pedra e a água correu” (Is 48,21).

No Novo Testamento, São Paulo se refere a este texto com o seguinte comentário: “Todos beberam da mesma bebida espiritual; de fato, bebiam de uma rocha espiritual que os acompanhava. Essa rocha era o Cristo. (…) Esses acontecimentos se tornaram símbolo para nós, a fim de não desejarmos coisas más, como eles desejaram” (1Cor 10,4.6).

No Evangelho, Jesus também se refere a este episódio quando no último dia da grande festa dos Tabernáculos gritou para a multidão, dizendo: “Se alguém tem sede, venha a mim, e beba. Quem crê em mim, conforme diz a Escritura, do seu interior correrão rios de água viva. Ele disse isso falando do Espírito que haviam de receber os que acreditassem nele” (Jo 7, 37-39). Com certeza, no diálogo com a samaritana, ao dizer: “Quem beber da água que eu darei, nunca mais terá sede, porque a água que eu darei se tornará nele uma fonte de água jorrando para a vida eterna” (Jo 4,14), também se referia a esta mesma passagem da água que brotou da rocha quando os judeus murmuraram contra Deus no deserto.

No livro do Apocalipse, as fontes de água formam parte da visão do céu: “O Cordeiro que está no meio do trono será o seu pastor e os conduzirá às fontes da água vivificante” (Apc 7,17). “A quem tiver sede, eu darei, de graça, da fonte da água vivificante” (Apc 21,6; cf. 22,17).

Em sua liturgia, a Igreja vê nesta água, que saia da rocha. a água do batismo e as lágrimas da penitência.

Neste terceiro domingo da Quaresma, ainda hoje, os que se preparam para receber o batismo na Vigília Pascal realizam o que o ritual chama de primeiro escrutínio.

Escrutínio é uma oração de exorcismo que prepara o candidato para receber o Espírito Santo no batismo. Todo o rito deste primeiro escrutínio está relacionado com o encontro de Jesus com a samaritana no poço de Jacó. Como exemplo, citemos apenas a oração principal: “Pai de misericórdia, por vosso Filho vos compadecestes da samaritana e, com a mesma ternura de Pai, oferecestes a salvação a todo o pecador. Olhai em vosso amor estes eleitos que desejam receber, pelos sacramentos, a adoção de filhos: que eles, livres da servidão do pecado recebam o suave jugo de Cristo. Protegei-os em todos os perigos, a fim de que vos sirvam fielmente na paz e na alegria e vos rendam graças para sempre. Por Cristo, nosso Senhor. Amém” (RICA 164).

 Com certeza, neste terceiro domingo da Quaresma, a Igreja pretende alertar, no início aos catecúmenos, hoje a todos os cristãos, para as dificuldades que, como pessoas de fé, deverão enfrentar. Aos penitentes do início e de hoje, deseja suscitar a confiança no poder misericordioso de Deus. Assim como foi capaz de tirar água da rocha, poderá também, de seus corações empedernidos pelo pecado, fazer correr rios de água viva. 

dom manoel 1Dom Manoel João Francisco
Administrador Apostólico da Arquidiocese de Londrina
Bispo de Cornélio Procópio