Com a Carta Encíclica Fratelli Tutti, o Papa Francisco faz uma proposta bem ampla e profunda sobre a Fraternidade e a Amizade Social. Inspirando-se primeiramente em São Francisco de Assis quer falar de um amor que ultrapassa as barreiras da geografia e do espaço. Foi também neste santo que se inspirou para escrever a encíclica Laudato Sii, sobre o cuidado da Casa Comum. No número 6 fala sobre a sua intenção: “Entrego esta encíclica social como humilde contribuição para a reflexão, a fim de que, perante as várias formas atuais de eliminar ou ignorar os outros, sejamos capazes de reagir com um novo sonho de fraternidade e amizade social que não se limite a palavras”(FT 06). 

 

Além disso, o Santo Padre conta que enquanto redigia esta encíclica irrompeu de forma inesperada a pandemia do Covid -19 que “deixou a descoberto as nossas falsas seguranças”(FT 07). Constata que a incapacidade das diversas nações de agirem em conjunto, apesar de estarem superconectadas,  mostrou a dificuldade de resolver os problemas que afetam a todos. 

 

A pandemia da COVID–19 já ultrapassou um ano, ultrapassou 350 mil mortos e milhões de infectados e não dá sinais de arrefecimento. Neste momento, todas as luzes de alerta estão ligadas em relação aos críticos indicadores de agravamento da pandemia no Brasil. E o mundo nos olha com perplexidade. Uma das situações mais constrangedoras e críticas que enfrentamos é a taxa de ocupação dos leitos de UTI com pacientes da COVID – 19, mas também a rapidez do agravamento da crise e do colapso do nosso sistema de saúde.

 

Devido a essa sobrecarga do sistema, os trabalhadores da saúde têm enfrentado uma carga excessiva de trabalho, que resulta em adoecimento. Acrescente-se a insuficiência de quadros para dar conta dessa grande e demorada pandemia, a percepção de que o pessoal da linha de frente da assistência está convivendo com outros fatores de tensão: falta de oxigênio para os pacientes em alguns locais, baixa de estoques de analgésicos, sedativos e bloqueadores musculares usados para a intubação de pacientes em UTIs, etc. Além disso, há muitos que querem negar a existência do vírus e a gravidade da pandemia.

 

A incapacidade das diversas nações de agirem em conjunto, apesar de estarem superconectadas,  mostrou a dificuldade de resolver os problemas que nos afetam a todos 

 

É sabido que cientistas do mundo inteiro vêm orientando que três ações são fundamentais no combate à pandemia: o uso das máscaras e a limpeza constante das mãos; o distanciamento social com lockdown nas situações mais graves; e a vacinação em massa da população. Com relação à campanha de vacinação, os números estão muito aquém do necessário. Falta muito para que o Brasil consiga vacinar os grupos prioritários, tais como, idosos, profissionais da linha de frente, indígenas, indivíduos com comorbidades e profissionais do ensino e das forças de segurança, etc.

 

Assim como o tempo vai passando, as comunidades cristãs também vão trabalhando no sentido de se entender com relação à retomada das atividades religiosas e, certamente, das atividades como um todo. É bom ir se entendendo com várias situações novas que se nos apresentarão: o trabalho das equipes de Pascom em nossas paróquias e comunidades; celebrações on-line; reuniões de organização de pastorais e movimentos on-line; catequeses presenciais e remotas; o problema da sustentabilidade dos trabalhos da Igreja; redescobertas e reestruturações que deverão ocorrer; a importância de uma boa organização ao redor do dízimo; uma grande renovação dos ministérios e ministros; necessidade de trabalhar pela diminuição das polarizações, etc.

 

Que todos sejamos abençoados com a vacina o mais rápido possível.  Que a preservação da vida de todos seja o nosso intento.

Dom Geremias Steinmetz
Arcebispo de Londrina

 

Estamos nos aproximando, mais uma vez, da celebração da verdade fundamental da fé que é a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. De maneira um pouco mais ampla, a celebração do Mistério Pascal inclui também a paixão, a crucificação, o sepultamento e a ascensão de Nosso Senhor aos céus. Na Semana Santa, além de celebrar todas estas verdades, celebra-se ainda a vida da Igreja, sua significância e atuação para levar à salvação que brota destes mistérios todos, à humanidade e às pessoas de maneira particular.

 

A verdade da Ressurreição de Jesus “constitui antes de tudo a confirmação de tudo o que o próprio Cristo fez e ensinou. Todas as verdades, mesmo as mais inacessíveis ao espírito humano, encontram a sua justificação se ao ressuscitar Cristo deu a prova definitiva que havia prometido, da sua autoridade divina” (CIC 651). Jesus sempre falou a partir desta realidade. Quando admoestava, curava, pregava, ensinava, etc. Em momentos mais centrais até chamava atenção para que tudo fosse interpretado a partir da sua “paixão, morte de cruz e ressurreição”. Significa que a Ressurreição é o grande NOVO da fé. Algo que de fato diferencia a fé cristã de muitos outros modos de conceber a fé.

 

O Catecismo da Igreja Católica é bem categórico ao afirmar: “O mistério da Ressurreição de Cristo é um acontecimento real que teve manifestações historicamente constatadas, como atesta o Novo Testamento” (CIC 639). Os textos bíblicos mais destacados são: 1Cor 15, 3-4, onde evidencia a viva tradição da Ressurreição. Lc 24,5-6 mostra que no conjunto dos acontecimentos da Páscoa, o primeiro elemento que se depara é o sepulcro vazio, mas reconhece que ele não constitui uma prova irrefutável.  Os passos rumo ao reconhecimento do fato da ressurreição são constituídos pelas ‘santas mulheres’ (Lc 24,3.22-23), em seguida Pedro (Lc 24,12), o discípulo que Jesus amava (Jo 20,2; Jo 20,8). Também as aparições do Ressuscitado fortalecem o modo “categórico” com o qual fala o Catecismo.

 

“O abalo provocado pela paixão e morte na cruz foi tão grande que os discípulos (ao menos alguns deles) não creram de imediato na notícia da ressurreição” (CIC 643). O Apóstolo Paulo proclama que “se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa pregação, vazia é também a vossa fé” (1 Cor 15,14). Por ela a graça de Deus nos é restituída e assim podemos viver uma vida nova. A vida nova “consiste na vitória sobre a morte do pecado e na nova participação na graça” (654). Além disso, a Ressurreição de Cristo é “princípio e fonte da nossa ressurreição futura” (655). 

São verdades que iluminam a vida do homem. Crer em Deus Vivo e atuante na história faz toda a diferença. As intervenções d’Ele sempre nos empurram para a defesa e a construção da vida das pessoas, especialmente os mais pobres. A libertação das amarras que prendem os mais frágeis é missão verdadeiramente evangélica e está em consonância com este Mistério profundo da fé. A Doutrina da Igreja é, justamente, a reflexão e a aplicação no dia a dia da sociedade, de princípios que brotam da fé na Ressurreição do Senhor e que ajudam a realizar o ser humano em toda a sua plenitude de acordo com a sua vocação manifestada no desejo de Deus ao ressuscitar o seu Filho e não de deixa-lo abandonado na morte. 

Dom Geremias Steinmetz
Arcebispo de Londrina

 

Artigo publicado na Revista Comunidade edição março 2021

Fotos: Pe. Lawrence Lew OP

No dia 3 de Outubro de 2020 o Papa Francisco publicou a Carta Encíclica Fratelli Tutti, sobre a fraternidade e a amizade social. É uma reflexão sobre os ensinamentos de vida que a pandemia da Covid -19 sugere a todas as pessoas, “pois que deixou a descoberto as nossas falsas seguranças (n.7). 

 

Logo no primeiro número cita São Francisco de Assis, em quem se inspira, para propor uma “forma de vida com sabor a Evangelho”. Aprofundando a expressão Fratelli Tutti insiste: “Com poucas e simples palavras, explicou o essencial duma fraternidade aberta, que permite reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas independentemente da sua proximidade física, do ponto da terra onde cada uma nasceu ou habita” (n. 1). O Santo de Assisque se sentia irmão do sol, do mar e do vento, sentia-se ainda mais unido aos que eram da sua própria carne. Semeou paz por toda a parte e andou junto dos pobres, abandonados, doentes, descartados, dos últimos” (n.2). Cita dois encontros importantes que o Santo Padre teve e que o inspiraram fortemente: “Se na redação da Laudato si tive uma fonte de inspiração no meu irmão Bartolomeu, o Patriarca ortodoxo que propunha com grande vigor o cuidado da criação, agora senti-me especialmente estimulado pelo grande Ímã Ahmad Al-Tayyeb, com quem me encontrei, em Abu Dhabi, para lembrar que Deus «criou todos os seres humanos iguais nos direitos, nos deveres e na dignidade, e os chamou a conviver entre si como irmãos” (n.5). 

 

Foto Vatican Media

Após todas estas inspirações tão amplas, o Papa mostra claramente o seu objetivo com a encíclica: “Neste tempo que nos cabe viver, reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana, possamos fazer renascer, entre todos o anseio mundial de fraternidade” (n.8). 

 

O conteúdo da encíclica é desenvolvido em oito capítulos: I. As sombras de um mundo fechado; II. Um estranho no caminho; III.Pensar e gerar um mundo aberto; IV. Um coração aberto ao mundo inteiro; V. A política melhor; VI. Diálogo e amizade social; VII. Percursos de um novo encontro; VIII. As religiões ao serviço da fraternidade no mundo. 

 

No primeiro capítulo, o papa faz uma exaustiva análise sobre as sombras no mundo que dificultam uma cultura de fraternidade melhor pronunciada. Lembra que nos últimos anos o mundo está voltando para trás nas questões de integração, dando sinais de regressão e reacendendo conflitos que se esperavam superados; favorece uma perda do sentido da história que desagrega ainda mais; denuncia que não há um projeto para todos e que acontece um verdadeiro descarte mundial em que uns têm mais direitos que outros, especialmente os direitos humanos que não são suficientemente universais. 

 

Ainda no primeiro capítulo, o papa cita a problemática das migrações, das fronteiras, do meio ambiente, etc. Mas ele quer falar, sobretudo, de Esperança: Ela “é ousada, sabe olhar para além das comodidades pessoais, das pequenas seguranças e compensações que reduzem o horizonte, para se abrir aos grandes ideais que tornam a vida mais bela e digna” (n.55). No segundo capítulo faz uma reflexão sobre o Evangelho do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37). Ali busca a base para falar sobre a fraternidade e a amizade social. Descreve com calma todos os detalhes da parábola colocando a inspiração de tudo o que vai dizer no agir de Jesus Cristo.  Nos capítulos restantes busca indicar caminhos para a construção de um mundo mais aberto para todos e que possam usufruir das muitas possibilidades que a tecnologia avançada nos oferecem.

 

Enfim, a pandemia da COVID-19 nos colocou a todos no mesmo barco. Temos nas mãos uma oportunidade histórica de darmos um salto de qualidade na fraternidade e nas relações sociais entre todos os povos do mundo. No último número o Santo Padre sugere uma oração ao Criador, muito rica em conteúdo e rezando pela causa que propõe na nova Encíclica:

Oração ao Criador

Senhor e Pai da humanidade,
que criastes todos os seres humanos com a mesma dignidade,
infundi nos nossos corações um espírito fraterno.
Inspirai-nos o sonho de um novo encontro, de diálogo, de justiça e de paz.
Estimulai-nos a criar sociedades mais sadias e um mundo mais digno,
sem fome, sem pobreza, sem violência, sem guerras.

Que o nosso coração se abra
a todos os povos e nações da terra,
para reconhecer o bem e a beleza
que semeastes em cada um deles,
para estabelecer laços de unidade, de projetos comuns,
de esperanças compartilhadas. Amém.

 

Dom Geremias Steinmetz
Arcebispo de Londrina

 

Fotos:  Vatican Media

Artigo publicado na Revista Comunidade da Arquidiocese de Londrina, Edição Novembro de 2021.

 

Em fevereiro de 2020 participei, com os bispos do Regional Sul II, da minha primeira Visita Ad Limina Apostolorum. É a visita que todos os bispos realizam como dever de ofício, aos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo, em Roma, e ao Sucessor de Pedro, o Santo Padre o Papa. Ela tem também o caráter de manifestação da unidade dos bispos com o Santo Padre. Não é, porém, uma simples viagem de turismo na Cidade Eterna, antes, é muito trabalhosa porque nela se incluem visitas a vários departamentos que ajudam o Papa a governar a Igreja Universal que ele preside “na caridade”. Portanto, realizamos visitas a várias Congregações, Dicastérios, Secretariados e as quatro Basílicas romanas: São João do Latrão; Santa Maria Maior; São Paulo fora dos Muros e São Pedro no Vaticano. Todo o programa foi preparado com cuidado e com antecedência, para que a visita propriamente pudesse ser proveitosa o mais possível. Os relatórios das dioceses e arquidioceses foram enviados alguns meses antes para que, em Roma, soubessem da realidade das nossas Igrejas Particulares.

 

A Visita Ad Limina reveste-se de um caráter espiritual e pastoral muito denso. Primeiramente a lembrança dos santos apóstolos. De fato Pedro e Paulo derramaram o seu sangue por causa da fé em Jesus Cristo. Enviados que foram pelo próprio Cristo a testemunhar o seu Mistério, cumpriram a missão até a morte. Diz a história que Pedro morreu crucificado de “cabeça para baixo”, por não se achar digno de morrer como o Mestre. Paulo, por sua vez, morreu decapitado.  Pedro construiu a Igreja sobre a herança de Israel e Paulo levou o Evangelho para o mundo pagão, ou seja, fora da cultura israelita. Neste sentido Pedro representa mais a instituição, (rígido, jurídico, organizacional), e Paulo o carisma (missionário, mais livre, deixando falar mais o Espírito Santo e lendo os sinais dos tempos). Talvez tenha até havido conflitos entre os dois, mas, cada um à sua maneira acentuou questões importantes da vida da Igreja. Além disso, eles lembram os muitos cristãos que derramaram o seu sangue por causa da fé durante a história e todos aqueles que são os “mártires do cotidiano”. O Papa Francisco, na Exortação Gaudete et Exsultate, sobre a santidade nos nossos tempos, usa o termo “santos de pé de porta” para falar dessa realidade.

 

A visita, normalmente, mais esperada é aquela feita ao Santo Padre. Para todos nós, de fato, foi muito marcante a conversa com o Papa Francisco por várias razões: 1. O nosso horário com ele estava marcado para as 10:30, mas às 09:30 ele já estava nos esperando e nos recebeu a todos cumprimentando-nos na porta de entrada da sala. 2. A duração da nossa estada com ele foi de 03 horas e 10 minutos. 3. Todos os bispos tiveram a liberdade de dirigir alguma pergunta ao Papa e ele respondia com muito conhecimento e liberdade. 4. Nas respostas manifestava conhecimento global da Igreja. Citava exemplos de todo o mundo e justificava suas respostas citando pensadores, teólogos, pastoralistas,  inclusive sugerindo a leitura de artigos e livros atuais. 5. As perguntas giraram ao redor de vários assuntos: Formação dos padres, missão dos bispos, missionariedade, críticas ao Santo Padre, Pastoral Familiar, Sínodo da Amazônia, Doutrina Social da Igreja, mudança de época, etc. Saímos de lá edificados.

 

No relato de At 12,1-11 Pedro está na prisão esperando ser entregue ao povo para ter, talvez, o mesmo fim do mestre. Mas toda a Igreja orava por ele. É esta também a coisa a ser feita agora. Devemos rezar. Rezar, antes de tudo, para que Deus faça de nós cristãos verdadeiramente apostólicos, solidamente ancorados à fé dos apóstolos Pedro e Paulo. Rezar também pelo sucessor de Pedro, para que ele que o colocou em tal posição o ilumine e o torne capaz de “confirmar os irmãos”.

Dom Geremias Steinmetz
Arcebispo de Londrina

 

 

Túmulo do apóstolo Pedro, no subsolo da Basílica de São Pedro, no Vaticano (Foto Karina de Carvalho / CNBB Sul 2)

 

 

Em frente à Basílica de São Paulo Fora dos Muros, estátua do apóstolo com a espada, símbolo do seu martírio (Karina de Carvalho / CNBB Sul 2)