Nesta semana, a Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por meio da Comissão Nacional da Pastoral Familiar, oferece uma formação especial sobre as exortações apostólicas Familiaris Consortio, de São João Paulo II, e Amoris Laetitia, do Papa Francisco. Desde segunda-feira, dia 3, até sexta, 7, são estudados os aspectos eclesiológicos, morais e pastorais dos dois documentos. O Seminário On-line Alegria do Amor tem reunido agentes da Pastoral Familiar, integrantes de movimentos e serviços, além de bispos, presbíteros, religiosas e religiosos e seminaristas de todo o Brasil.

 

Eclesiologia
Na segunda-feira, o vice-presidente e diretor da Seção Brasileira do Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para o Matrimônio e Família, padre Rafael Fornasier, abordou as questões eclesiológicas e doutrinais presentes nas duas exortações apostólicas. Em especial, ele colocou em foco duas expressões importantes nos últimos tempos: “Igreja doméstica” e “Igreja, família de famílias”.

 

Na primeira parte, padre Fornasier recapitulou os textos das exortações apostólicas. Ele destacou que há uma continuidade entre as abordagens de São João Paulo II e do Papa Francisco. “Na Familiaris Consortio o termo ‘Igreja doméstica’ é citado 11 vezes e na Amoris Laeitia aparece sete vezes a expressão”, calculou.

 

Por sua vez, ‘Igreja, família de famílias’, aparece apenas em 2007, no Documento de Aparecida, mas se tornou recorrente nos últimos anos no relatório final do Sínodo de 2015 e na Amoris Laetitia. “Nos primórdios, a Igreja começa nas casas. Só depois que aparecem as igrejas como comunidade. E essas duas situações devemos estreitar ainda mais”, destacou o teólogo.

 

Padre Rafael Fornasier
Na segunda parte da palestra, padre Rafael Fornasier apontou que nos últimos anos tem sido importante pensar a família no campo da teologia, em especial após com a exortação Evangelium Gaudium, sobre o anúncio do evangelho no mundo atual – que deve contar com a participação das famílias.

 

“A família não é uma célula isolada. Ela cresce, se transforma e se conecta em outras células. Da mesma forma ocorre nas paróquias. É formada por famílias que estão relacionadas em rede e, portanto, a igreja se concretiza ali”, disse.

 

Moral
No segundo dia de encontro, o presbítero da Arquidiocese de Londrina (PR), padre Rafael Solano, que é mestre e doutor em Teologia Moral, tratou dos aspectos morais dos dois documentos, elencando as formas, mentalidade e lei da gradualidade apresentadas nos textos. Também refletiu sobre a família inserida no processo de evangelização e sobre o conceito de espiritualidade familiar, que pode ajudar a colocar os documentos em prática.

 

Padre Rafael Solano citou a Didaquê do início da Igreja como catequeses que iluminavam a vida cristã com “os primeiros elementos éticos e morais que nós vimos diante de nós”. Para ele, a Didaquê traz consigo a grandeza traduzida das Bem-Aventuranças.

 

Evangelização da família
Para o padre Solano, o primeiro aspecto moral da Familiaris Consortio, junto com a Amoris Laetitia, é o processo de evangelização. “Não existe Pastoral Familiar, não existe teologia moral familiar, se o Evangelho não entra em casa. Ele deve se fazer conhecido no lar”, destacou.

 

Alegria do Amor
Na quarta-feira, o seminário apresentou a palestra de dom Leomar Brustolin, bispo auxiliar de Porto Alegre (RS), sobre os aspectos pastorais. Na quinta-feira, o bispo de Rio Grande (RS) e presidente da Comissão Vida e Família, dom Ricardo Hoepers, conduziu uma mesa redonda com os três palestrantes e a teóloga Maria Inês de Castro Millen. Na sexta-feira, 7, o arcebispo de Florianópolis (SC), dom Wilson Tadeu Jönck, aprofundará os aspectos “Ser pai e ser mãe, homem e mulher” à luz dos documentos que iluminam o evento.

 

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CNBB

Padre Rafael Solano comenta parecer do procurador-geral da República sobre legalidade do aborto para grávidas contaminadas com o vírus Zika. “A Igreja sempre vai se posicionar totalmente a favor da vida, a favor daqueles que estão por nascer”.

Em setembro deste ano, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF) posicionando-se favorável ao aborto em grávidas diagnosticadas com o vírus Zika, que pode estar ligado à ocorrência de microcefalia em bebês. No seu argumento, o procurador defende que a continuidade da gestação quando há a confirmação do Zika é um “risco certo à saúde psíquica da mulher”. Em entrevista ao Jornal da Comunidade, Padre Rafael Solano, pároco da Paróquia São Vicente de Paulo, contesta a posição do procurador. “Se o microencefálico traz um problema para a sociedade, então vamos discutir qual é o problema, porque até agora ninguém falou qual é o problema”, comenta o padre.

 

JC: Em que contexto se inserem as discussões sobre o aborto no momento em que estamos?

Padre Rafael Solano: Estamos atravessando uma situação bastante delicada, não somente no Brasil, como no mundo inteiro com três grandes movimentos. O movimento dos refugiados, o movimento das pandemias, e o movimento das doenças inesperadas. E há no movimento das pandemias uma pandemia que atingiu diretamente a América Latina. Toda América Latina passou pela dengue, ou está passando pela chikungunya, ou está passando pela Zika. Este tipo de situação levou a um grande questionamento, porque geralmente quando vem uma pandemia a população sofre reações diversas. E uma delas, no caso concreto do nosso Brasil, da Colômbia, da Costa Rica, é a questão do aborto. Porque muitas mulheres ficaram ou adquiriram o vírus do Zika, ou da Zika como se diz em alguns lugares, e imediatamente depois da segunda ou terceira ultrassonografia descobriram que estavam grávidas de uma criança com microcefalia. Em muitos governos se adotou a postura de provocar o aborto.

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Quando eu li o texto do ministro Janot e o texto do Tribunal Superior, fiquei bastante estarrecido, muito
preocupado, porque a razão que se está dando é que se deseja evitar um mal psicológico para a mulher que tem um filho com microcefalia. Mas olhe bem para a situação: muitas mulheres têm crianças sadias e entram em depressão pós parto. Muitas mulheres têm uma gravidez em perfeito estado, uma criança maravilhosa, mas entram num confronto inesperado consigo mesma e a criança tem até que ser retirada dela, e conduzida ou para a avó ou para a tia. Então falar de um dano psicológico a uma mãe com filho com microcefalia? Meu Deus do Céu, em que patamar nos encontramos? O texto é muito forte. Diz: pretendemos evitar maiores gravidades psiquiátricas, psicológicas, comportamentais na mulher que após o parto traga consigo uma criança com problema de microcefalia. Isso não é verdade, e a gente não pode ficar parado frente a isto porque está virando praticamente moda o tema aborto por microcefalia. Não é por aí, esse não é o caminho.

Eu não quero que as pessoas fiquem pensando que o ministro e que as leis amparando o aborto do microencefálico, dizendo que a mãe vai sofrer demais ao carregar um filho microencefálico, são verdades. Porque não tem por que se escandalizar. Existem muitas pessoas microencefálicas que vivem feliz da vida, sem nenhum problema. Tem gente que nasceu sem as duas pernas e hoje é campeão mundial de corrida.

 

JC: Então frente à situação delicada de uma mãe que recebe o diagnóstico do filho com microcefalia, qual a posição a ser tomada?

Padre Rafael Solano: Frente a essa questão eu pergunto: Qual o problema que a nação, que um país tenha microencefálicos na sua sociedade? É isso que eu me pergunto, só isso. Se o microencefálico traz um problema para a sociedade, então vamos discutir qual é o problema, porque até agora ninguém falou qual é o problema dos microencefálicos na sociedade. Eu queria que me dissessem qual é o mal. Por enquanto, são tão humanos como nós.

 

JC: Aí a gente entra em questões mais profundas, como uma espécie de escolha das pessoas que podem ou não viver?

Padre Rafael Solano: No mundo no qual estamos hoje não se fala mais sobre seleção, se fala em “eugenia”, que é o grande desenvolvimento biotecnológico, nanotecnológico e geneticamente comprovado que traz consigo a problemática de selecionar os seres humanos. A eugenia é a manipulação preparada e predisposta dos caracteres ou das características que um ser humano, que uma sociedade deve ter. Então se nós queremos uma sociedade com homens altos e mulheres baixinhas nós podemos controlar isso, determinar isso. E a eugenia traz consigo esta gravidade, porque há uma eliminação, uma seleção e uma viabilização. Todos somos viáveis, todos nós já fomos escolhidos por Deus e todos nós, a partir do momento da fecundação, estamos dispostos a nos desenvolver. Talvez haverá algum com desenvolvimento tal, outro com desenvolvimento tal, mas aí está a grandeza e a unicidade do ser. Eu não posso prever que todos os seres serão iguais, é impossível, nem muito menos pensar que todos os seres serão iguais.

E vou lhe dizer uma coisa que me parece importantíssima, que é o conceito que a sociedade do século XXI tem frente ao corpo e frente à beleza. Não queremos seres feios, e o microencefálico pode parecer feio, mas é uma beleza. Cada um de nós tem a sua beleza, as pessoas com qualquer tipo de deficiência são belas. Não é a harmonia do corpo estético que vai compensar uma sociedade melhor desenvolvida. Nós não podemos continuar assinando embaixo e dizendo que esse é o caminho que o mundo deve seguir.

Esse vai ser o futuro grande drama da sociedade do século XXII: onde vão colocar os seres humanos, sobretudo aqueles que estão sendo selecionados e aqueles que estão sendo congelados. Já não estaremos mais aqui neste planeta, mas queira Deus que as coisas tenham melhorado.

 

JC: Existe uma aceitação e uma relativização com relação a certos assuntos por parte até dos cristãos. Apesar disso, o posicionamento da Igreja frente ao aborto nunca vai mudar.

Padre Rafael Solano: Hoje muitos comportamentos morais são subjetivos. O que significa subjetividade? Significa que cada um decide aquilo que lhe convém e aquilo que acha que é mais prático para sua vida e para sua salvação, então o subjetivismo ético leva as pessoas a ter uma falsa piedade. Hoje se fala muito do termo “terapêutico”, como se o termo “terapêutico” pudesse se adaptar à realidade gravíssima do aborto. Não é esse o caminho, o aborto é um homicídio, o aborto é um crime e o aborto é um pecado que lesa a humanidade, portanto rompe a caridade com Deus e com os irmãos. A Igreja sempre vai se posicionar totalmente a favor da vida, a Igreja sempre vai se posicionar a favor daqueles que estão por nascer. A Igreja acolhe com piedade, com carinho, quando uma mulher, uma pessoa vem para dizer que abortou e está pedindo perdão, isso é outra coisa, mas dizer um dia que nós vamos compactuar com o aborto, não, jamais.

Estamos chegando no tempo do Natal e o tempo de Natal sempre me incita pessoalmente a acabar com qualquer tipo de razão que tenha para abortar. Não existe razão nenhuma para abortar um ser humano. Indiscutivelmente, qualquer razão que se coloque é inválida.

(Padre José Rafael Solano Duran é sacerdote da Arquidiocese de Londrina (PR). Mestre e Doutor em Teologia Moral pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e pós-doutorado em Teologia Moral e Familiar pelo Pontifício Instituto João Paulo II de Roma, Universidade Lateranense de Roma. Atua como consultor da CNBB setor vida e família e como professor de Teologia Moral e Bioética na PUC (PR), Câmpus Londrina).

Juliana Mastelini
PASCOM Arquidiocesana

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Fotos Tiago Queiroz
PASCOM Arquidiocesana