Memórias de quem conviveu com dom Geraldo fora dos eventos oficiais da Igreja de Londrina

A história oficial de dom Geraldo Fernandes é bem conhecida na arquidiocese. Ele foi o primeiro bispo e arcebispo, construiu a atual Catedral. Um dos nomes do Concílio Vaticano II. Fundou a congregação das Irmãs Claretianas, presente hoje nos cinco continentes. Seu nome consta nos registros da Universidade Estadual de Londrina (UEL), criada com a Faculdade de Odontologia no prédio da Catedral cedido por ele, universidade na qual ocupava a cadeira de Direito Romano.

E eu fiquei famoso por ser a pessoa que tinha o telefone particular do dom Geraldo Fernandes

Nossa reportagem foi atrás, porém, de outras histórias. Fatos, quem sabe, desconhecidos, de pessoas comuns, leigos que participavam da missa presidida pelo bispo na Catedral ou que o viam em eventos e ruas de Londrina. Um estudante que cursava Odontologia no salão da Catedral e pediu o carro do bispo emprestado para levar o time até a quadra de futebol. O aluno de dom Geraldo no curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina (UEL), que fora coroinha e teve o casamento celebrado por ele. Ou da senhora do Movimento de Schoenstatt que, quando jovem, protagonizou a peça de teatro que recepcionou o bispo recém-chegado em Londrina. São essas histórias que apresentamos a seguir. Uma singela homenagem, que mostra as várias caminhadas com dom Geraldo.

Faculdade de Odontologia funcionava no prédio da Catedral, cedido por dom Geraldo (Foto Prefeitura de Londrina)

Bispo, me empresta o carro?

Edson Gradia conheceu dom Geraldo Fernandes em 1962, quando foi fundada a Faculdade de Odontologia nos fundos da Catedral, em espaço cedido pelo bispo. Havia um bom convívio e eles chegaram a ser amigos. “Ele era um homem que gostava de conversar, principalmente com os moços pra ver o que a mocidade pensava pra poder analisar e fazer os seus sermões.” Mal sabia ele que aquela amizade o livraria de dificuldades num futuro próximo.

Durante os anos da ditadura, Gradia conta que havia muita perseguição em Londrina e ele, por ser membro do movimento estudantil, acabou sendo um dos alvos. “Aí um dia ele me chamou e falou: ‘Gradia, sossega um pouco, os caras estão de olho em você’. Ele pegou um papel, me deu o telefone da cabeceira dele, que só ele atendia, naquele tempo não tinha celular. Falou: ‘qualquer coisa que acontecer com você ou com qualquer estudante da faculdade, você liga que eu resolvo’”, recorda. “Basta dizer que nenhum estudante universitário foi preso, todos foram protegidos por ele, mesmo alguns que falavam até mal dele nem sabem que foram protegidos pelo dom Geraldo.”

Dom Geraldo se fazia próximo de todos, desde os mais jovens (Foto Arquivo)

Depois saiu uma conversa na cidade de que ele tinha o telefone pessoal do bispo e todo mundo que tinha medo de ser preso o procurava. “Eu ia segurando até onde podia, daí chegava lá pra conversar com dom Geraldo, eu levava umas broncas, mas ele atendia todo mundo com muito carinho, com muito respeito. E eu fiquei famoso por ser a pessoa que tinha o telefone particular do dom Geraldo Fernandes.”

Como o escritório de dom Geraldo ficava na parte superior da Catedral, ele sempre passava pelas salas da Faculdade de Odontologia. “Teve um dia que a gente foi jogar futebol, e faltou um carro pra poder levar todo mundo. Aí eu fui falar com ele: ‘oh dom Geraldo, empresta o carro pra levar o time pra jogar futebol’. Aí ele pensou, pensou, falou: ‘eu vou emprestar, mas cuidado onde vocês vão com o meu carro’ [naquela época a placa do carro indicava que era o carro do bispo]. Falei: ‘fica sossegado, nós vamos até a quadra e vamos voltar.’ Ele deu risada. Viu como ele era afável e acessível até com essas pequenas coisas?” 

E quantas vezes Gradia encontrou dom Geraldo na rua! O bispo o cumprimentava, pegava-o pelo braço e dizia: vem andar comigo. “E o bicho andava, barbaridade, era alto, tinha uma passada grande, e eu acompanhando o homem até onde ele quisesse que eu andasse junto com ele. Depois ele entrava onde ia e eu voltava pro meu caminho”, comenta. “É uma pessoa que eu tenho muito carinho e a cidade tem que ter um profundo respeito por ele”, finaliza Gradia.

Uma habilidade descoberta por dom Geraldo

Quem se lembra das locuções do Antônio Godoy na Rádio Alvorada talvez não saiba que ele adentrou ao mundo da comunicação por influência de dom Geraldo. Ao vê-lo fazendo o comentário de uma missa na Paróquia Nossa Senhora de Lourdes, dom Geraldo o chamou para assumir a coordenação da missa na TV Coroados. “Ele gostou e me chamou. Ele já tinha uma participação na TV Coroados e tinha também uma presença no programa Ave Maria na Rádio Alvorada. Ele sempre soube usar da comunicação, tanto rádio, escrita, falada e televisionada.”

Dom Geraldo era um home da comunicação, além da escrita e da fala, tinha programa na TV Coroados e na Rádio Alvorada (Foto Arquivo)

“Mas eu  nunca pensei nisso. Eu venho lá do sítio. Em 1964 quando surgiu a Rádio Alvorada, eu e minha família nos orgulhamos porque era a primeira rádio católica de Londrina, da região. Então eu já acompanhava e ouvia dom Geraldo no rádio naquela época, depois eu fui conhecê-lo pessoalmente mas sem nenhuma pretensão, não fui atrás, foi por acaso, mas foi providência”, destaca Godoy. 

Dom Geraldo o enviou a São Paulo, junto com um padre capuchinho, para fazer um curso e os dois assumiram a coordenação da missa na TV Coroados. “Eu fui pra São Paulo, fiquei 15 dias com os freis, na companhia de vários bispos… então tive o privilégio de estar entre os poucos leigos, pra receber as primeiras lições de como fazer script de televisão… Mas na época era tão difícil, se hoje não é fácil, imagina na época quando era tudo ao vivo, não tinha nada gravado.”

Dom Geraldo abençoa os ouvintes no segundo aniversário da Rádio Alvorada (Foto Arquivo)

Nessa época, a Rádio Alvorada já existia, mas Godoy conta que nunca falara sobre isso com dom Geraldo. Depois de um tempo, Godoy começou na Rádio Londrina, onde trabalhou por três anos, e em 1972 começou a trabalhar na Rádio Alvorada. “A Alvorada não aceitava se não tinha experiência. O sonho de todo mundo na época era trabalhar na Rádio Alvorada, ela já nasceu grande. Os equipamentos mais sofisticados na época… Dom Geraldo foi fantástico, ele idealizou um meio de comunicação desde o início de seu pastoreio”, conta.

‘Eu vou fazer o casamento do JB’

JB Faria também tem uma história de proximidade com dom Geraldo. Quando o bispo chegou a Londrina em 1957, seu pai Antônio Faria Neto era presidente dos Vicentinos e dom Geraldo foi um grande incentivador do movimento. “Então se ligou muito ao meu pai, de maneira que até frequentava minha casa, volta e meia ia almoçar, ia jantar lá em casa. Uma pessoa muito simples, ele era de uma simplicidade incrível.”

A ligação entre eles era tão grande que quando o senhor Antônio Faria convidou dom Geraldo para o casamento do filho em 1968, ele logo falou: “eu vou fazer o casamento do JB”. “E ele, e o monsenhor Bernard, na Imaculada Conceição fez o meu casamento, era uma amizade muito grande, muito estreita.” 

Um verdadeiro pastor. “Uma figura extraordinariamente positiva que vivenciava a comunidade da cidade de maneira muito forte, cobrava também”, descreve JB, que além disso foi coroinha de dom Geraldo nas celebrações diárias na Paróquia Imaculada Conceição, ao lado de onde dom Geraldo morava.

Mas a ligação entre os dois não para por aí. Dom Geraldo também foi professor de JB no curso de Direito na Universidade Estadual de Londrina (UEL),  onde lecionava Direito Romano.

Dom Geraldo e monsenhor Bernard celebraram o casamento de JB e Dirce

‘A gente rezava por ele durante o Concílio Vaticano II’

As amigas Célia Secco Jorge e Lygia Schrank Araújo falam com carinho de dom Geraldo, inclusive de sua chegada a Londrina. Quando ele assumiu a Diocese de Londrina, em 1957, Lygia preparou, com os colegas do Colégio Londrinense, uma peça de teatro para homenagear o bispo que visitaria o colégio. 

Lygia estrelou no papel da protagonista Almaíza na peça apresentada ao bispo recém chegado a Londrina

Célia, por sua vez, estudava no Colégio Mãe de Deus e estava entre as estudantes que o recepcionaram, todas uniformizadas e com a bandeira do Brasil, no dia de sua chegada, em formação em frente à então Igreja Matriz do Sagrado Coração de Jesus.”Foi uma felicidade imensa [quando veio a notícia que Londrina teria um bispo]. A gente celebrou muito, todo mundo já começou a se envolver para preparar a casa. Ele foi muito bem recebido.”

Lygia e Célia participavam, cada uma em seu colégio, da Juventude Feminina de Schoenstatt. Mas ainda não havia Juventude Masculina na cidade. Foi no Colégio Londrinense que surgiu o interesse dos rapazes que encenaram a peça Almaíza com Lygia. Como a coordenadora, irmã Terezinha, falara que só poderia formar um grupo masculino com a autorização do bispo, Lygia e dois colegas não perderam tempo, foram falar com ele.

Dom Geraldo era muito próximo das famílias (Foto Arquivo Geral | MSAMC)

“Contamos como estava a juventude e depois o rapaz falou: ‘só que pra nós não tem nada, nós pedimos pra irmã Terezinha dar formação para nós’. Daí eu reforcei: ‘ela falou, dom Geraldo, que só com autorização do senhor’. Ele falou: ‘pois então diga à irmã Terezinha que eu não só autorizo, mas que é um pedido expresso do bispo pra ela’. Aí ela começou, ela deu formação para o grupo de rapazes”, conta Lygia.

Essa é uma das situações que, segundo elas, demonstram como o bispo era acolhedor e acessível. Anos mais tarde, um café da manhã ficou gravado no coração das duas. As jovens, já casadas, participavam com os maridos da Obra das Famílias de Schoenstatt, e dom Geraldo chamou vários casais para um café da manhã de Páscoa. No início ficaram com receio de ir com crianças pequenas, mas o bispo fez questão: era para levar as crianças. “E deixou todo mundo à vontade, atendeu os pequenos, conversou, festejou com eles, contou coisas interessantes pras crianças, foi um café da manhã muito bom”, conta Célia

Lygia também recorda com carinho que antes de cada viagem de dom Geraldo a Roma para o Concílio Vaticano II, as famílias iam visitá-lo, desejando bênçãos e oferecendo capital de graças pelo concílio. “A gente fazia ramalhete espiritual, rezava por ele, e rezava durante o concílio. Quando ele voltava, reuníamos de novo os casais e ele contava como tinha sido, aquilo que podia contar né. Então a gente acompanhou o concílio todo”, fala Lygia.

Juliana Mastelini Moyses
PASCOM Arquidiocesana

Enquanto do Geraldo participava do Concílio Vaticano, as famílias ficam rezando por ele

Destaque da Revista Comunidade edição maio de 2022.
O Destque é a matéria principal mensal da Revista Comunidade, a revista oficial da Arquidiocese de Londrina, que tem como patrocinadores:

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