
A fragilidade humana evidencia que a plenitude de vida que todo homem busca não pode ser alcançada apenas com os próprios esforços
A vida se faz de esperança. “Ninguém pode sobreviver sem esperar nada da vida”, explica o padre Maike Nonicio de Andrade, do Instituto Secular dos Padres de Schoenstatt, vigário da Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora. A esperança, portanto, não é uma realidade apenas cristã, mas antropológica, comum a todos os seres humanos. “Todos nós, independente da religião ou crença, desejamos uma vida mais plena e feliz. Não há escuridão que nos faça deixar de acreditar que mais cedo ou mais tarde o sol voltará a brilhar na nossa vida.”
Por outro lado, sendo uma realidade eminentemente humana, a esperança é também uma abertura para uma realidade que nos transcende, pois “diante das dores que padecemos e das lágrimas que derramamos, percebemos que não podemos alcançar essa plenitude de vida somente com os nossos esforços humanos”, explica o sacerdote.
Para os cristãos, essa realidade já foi revelada: no Antigo Testamento, a promessa de Deus a seu povo faz brotar a esperança de chegar à terra prometida. “A compreensão dessa promessa vai evoluindo, até que ela se realiza definitivamente em Jesus. Nele já começou o que esperamos: a ressurreição para a vida eterna.”
Por isso, os cristãos depositam a sua esperança em uma pessoa concreta: “um Deus que se encarnou, morreu por amor e deixou o túmulo vazio (cf. Jo 20) para nos mostrar que a nossa esperança é também uma certeza. Pois a morte não será o ponto final das nossas vidas.”

Padre Maike ressalta que quando falamos em morte não falamos de um acontecimento futuro, mas de uma realidade permanentemente presente em nossas vidas. “Além de experimentar a morte quando perdemos alguém que amamos, também a experimentamos quando sentimos que perdemos os nossos sonhos e projetos, quando sentimos que estamos perdendo a nossa saúde, ou até mesmo quando um relacionamento chega ao fim. É um fato: a partir do momento que nascemos já estamos morrendo. E as perdas da nossa vida fazem questão de nos lembrar sempre disso”, argumenta.
A esperança cristã, fruto da fé na ressurreição, ajuda-nos a perceber que, apesar de todas as situações de morte, sempre podemos recomeçar. “Nenhuma morte jamais será o ponto final da nossa vida, nem sequer a morte física. A esperança nos ajuda a perceber que a vida sempre insiste em continuar e, mais cedo ou mais tarde, aquilo que perdemos e deixou um vazio em nós dará espaço para uma nova vida.”
Uma nova vida! Ou melhor, duas! Foi esse o sinal de esperança para a família da Lwana Arantes Teixeira, num momento em que a morte parecia ter a palavra final.
Lwana perdeu o pai no auge da pandemia de COVID-19. “Meu pai para mim era meu porto seguro, a gente era muito ligado. Tudo o que eu ia fazer eu pedia a opinião dele. Foi muito difícil, foi uma perda muito grande para a família”, revela. Seus pais, Carlos e Neuma, tinham sido casados por mais de 40 anos, “uma vida inteira com a presença do meu pai na vida da minha mãe, ela não sabia viver sem ele.”

Além disso, com a morte do pai, a família precisou rever o rumo de toda a vida. Eles se preparavam para mudar de cidade por conta de um projeto que demorara dois anos para ficar pronto: uma fábrica de ração, que estava prestes a ser inaugurada e onde toda família se organizara para trabalhar. “Eu pensei, e agora, o que eu vou fazer?”
Um mês depois do falecimento, em meio a uma série de questões, uma surpresa. Durante o retorno de uma viagem para tratar dos negócios do pai, Lwana passou mal. Decidiu fazer um teste de gravidez, por desencargo de consciência, e descobriu que estava grávida. “Meu Deus, como que eu estou grávida no meio dessa confusão inteira? Mas era o meu sonho ser mãe, acolhi, contei pro meu marido e contei pra minha mãe. Minha mãe olhou para mim e falou: ‘como grávida?’”.
Para entender esse espanto é preciso voltar no tempo. Mais de 20 anos atrás. Aos 23 anos de idade, no último ano da faculdade, Lwana descobriu um câncer de colo de útero. Por conta disso, recebeu o diagnóstico de três médicos de que não realizaria o sonho de ser mãe. Depois de dois anos de luta, duas cirurgias e a retirada de 50% do útero, a possibilidade da maternidade não estava descartada.
Com 31 anos, depois de uma gravidez e parto com sérios problemas, veio o primeiro filho, Eduardo. “Um meninão maravilhoso, está aí hoje com 15 anos”, conta.
Dois anos e meio depois, Lwana descobriu outro câncer, na bexiga. Passou novamente por cirurgia, dois anos de tratamento e 15 sessões de quimioterapia. Dois anos depois, outro susto: numa consulta de rotina Lwana descobriu o terceiro câncer, desta vez na tireóide. “Aí eu falei: ‘ai meu Deus, vamos nós para a batalha de novo’. Enfrentei outra cirurgia, retirei tireóide, fiz todo tratamento, graças a Deus, foi o anjo da guarda, porque eu descobri tudo no começo.”
Foi nessa época que Lwana retornou para Londrina, depois de 16 anos morando em Florianópolis. Pouco tempo depois, chegou a pandemia e a morte repentina do pai. “Ele e minha mãe ficaram muito mal. E ele vendo minha mãe mal, piorou e infelizmente faleceu”.
Semanas depois do falecimento do pai, Lwana, aos 43 anos de idade, depois de um histórico de tratamento de três cânceres e do diagnóstico de que dificilmente seria mãe, “se viu grávida”. A surpresa ainda maior veio no segundo ultrassom, quando o médico deu a notícia que dois corações batiam no seu ventre.
“Eu não tenho histórico de gêmeos na família. Meu marido não tem histórico de gêmeos. Então eu falei, só pode ter sido um milagre, porque no primeiro ultrassom só tinha um neném, e no segundo ultrassom, 15 dias depois, dois corações batendo na minha barriga. Eu estava grávida de gêmeos!”
A gravidez transcorreu sem complicações e os gêmeos Carlos e José nasceram trazendo novo ânimo e novo motivo para lutar. “Depois de tudo que a gente passou, vieram duas bênçãos. Eu falo que são meus milagres, porque para uma pessoa que aos 23 anos não tinha esperança de ter filho, eu tenho três! E isso tudo depois da morte do meu pai”, conta Lwana, que hoje mora com a mãe, o marido e os três filhos.
Para ela, os gêmeos chegaram como sinais de esperança. “Depois que eu tive o Edu, eu tentei ter mais filhos, mas cada vez que eu tentava, eu descobria um câncer e ia me tratar de um câncer. Então eu entendi que não teria mais filhos. E depois de passar pela morte do meu pai vir gêmeos, é milagre, é esperança. Olhar pros dois, depois disso tudo, é você ter um motivo, não que não tivesse, mas um motivo maior para você acreditar, para você lutar, para não desistir”, conclui Lwana.
No campo da psicologia, a esperança é um elemento essencial para lidar com o luto, explica a psicóloga Tatiane Martini. “Proporciona um senso de propósito e a crença de que, apesar da dor, a vida pode continuar a ter significado e beleza. Ela também está ligada à resiliência, permitindo que a pessoa enfrente os desafios do luto com uma mentalidade mais positiva, ajudando-a a superar obstáculos e a se adaptar à nova realidade”, ressalta. Além disso, ter esperança facilita a busca por apoio emocional e social. “Quando a pessoa acredita que a vida pode melhorar, ela pode se sentir mais inclinada a se conectar com amigos, familiares ou até mesmo grupos de apoio.”
Quando uma mãe perde um filho, ela espera um dia reencontrá-lo
Foi a fé, a esperança e o amor que mantiveram de pé a família da Val, do Leandro e do filho Guilherme. Há cinco anos, no rápido período de um mês, eles viram o pequeno Lorenzo, de 2 anos e nove meses, adoecer gravemente, ir para o hospital e falecer. “Foi muito, muito rápido, ninguém acreditava. Era uma criança saudável, fazia tudo. E de repente, do nada, começou uma febrezinha, e evoluiu para uma coisa tão séria. Foi um baque”, conta Val.
Para ela, uma mãe nunca supera a perda de um filho, mas aprende a conviver com a ausência. “Quando o filho da gente morre, a gente morre um pouco. Porque a gente não vai vê-lo crescer, nas datas especiais ele não está, você senta na mesa, tem sempre um buraco que deveria ter alguém.”

Mas, apesar de toda tristeza, ela encontra forças nas pessoas queridas, nas coisas com as quais ocupa sua mente e também na esperança da vida eterna. “A morte está aqui para todo mundo. A única certeza que a gente tem é a morte. Mas a certeza que a gente passa a ter mais ainda quando um filho morre é que a gente vai encontrá-lo. Eu chego a me arrepiar”, conta Val.
Val e Leandro participam do grupo Mães da Esperança, um grupo de apoio a pais que perderam seus filhos, que ajuda a manter viva a esperança do reencontro na eternidade. “A Elaine, que é psicóloga que acompanha o grupo, sempre fala que a gente não pode errar o caminho. Então é nisso que a gente se apega, em ter certeza que a gente vai encontrá-lo. A gente não pode errar o caminho. É isso que leva a gente a seguir e a suprir a falta do dia a dia, porque o buraco está ali.”
Além disso, Val se envolveu mais na comunidade da Paróquia Santa Mônica, faz parte da liturgia e com o esposo participa do Movimento Familiar Cristão (MFC). “Lá no grupo a gente costuma falar que a gente não perde um filho. Porque a gente sabe onde eles estão e com quem eles estão. Então o perder se tornou um modo de dizer, mas nossos filhos não estão perdidos, a gente sabe que eles estão lá no céu, com Deus.”
Há um ano e meio, a família ganhou mais uma razão para se alegrar. A chegada de uma nova vida, que sempre reacende a chama da esperança: Ravi. “Quando o Lô partiu, foi como se eu tivesse caído dentro de um buraco e o mundo tivesse acabado”, conta Leandro. “E com a chegada do Ravi para mim foi como se eu tivesse saído do buraco e conseguido viver novamente e seguir em frente com alegria conseguindo cuidar das cicatrizes que ficaram.”
Val, que planejou ter dois filhos, se viu mãe de três. “A gente planeja, mas os planos não são nossos, são de Deus.” Uma vida é sempre esperança, continua ela. Um filho nunca substitui o outro, mas traz alegria e “com isso a gente renasce junto”, finaliza Val.
Como esperar contra toda esperança?
Para aqueles que perderam um ente querido, a certeza do reencontro na vida eterna, porém, não diminui a dor, explica padre Maike. “Ninguém está preparado para dizer adeus a uma pessoa que ama, nem Jesus (cf. Jo 11). O período de luto será sempre um tempo difícil, as lágrimas serão inevitáveis. Mas, precisamos passar por essa dor para poder aceitar a perda.”
E aqui entra o papel da esperança cristã. “Porque é muito diferente atravessar esse período com fé na ressurreição ou angustiado pelo vazio da morte. Acreditar na ressurreição nos ajuda a esperar um reencontro definitivo”, declara o sacerdote.
Dessa forma, as memórias se transformam no início da vida eterna em nós. “Para quem acredita na vida eterna, essa presença dentro de nós já é o início daquilo que vamos experimentar em plenitude no céu”, reflete.
“A saudade que aperta o coração continuará existindo, não como uma dor que causa angústia e nos rouba a vontade de viver, mas sim como uma possibilidade de experimentar o céu dentro de nós. Essa esperança de um reencontro definitivo, alimentada pelas boas lembranças e pela fé na ressurreição, é o que pode ajudar uma pessoa a continuar vivendo e acreditando na vida depois de experimentar a perda de um ente querido.”
Padre Maike explica que a esperança cristã é uma esperança ativa, ou seja, antecipamos no tempo aquilo que desejamos para o futuro. “Por isso, se desejamos o céu, devemos transformar esta vida numa experiência de céu através do amor. Quando amamos e nos sentimos amados é como se o tempo parasse num pequeno instante de eternidade. Assim, cada pequeno gesto de amor alimenta a esperança de que um dia viveremos a plenitude desse amor”, conclui padre Maike.
Mães da Esperança
O grupo Mães da Esperança realiza encontros quinzenais na Paróquia Mãe da Divina Providência. Para conhecer acesse o Instagram: @maesdaesperanca
Compartilhando Memórias
Outro grupo de apoio a pessoas enlutadas é o Compartilhando Memórias, desenvolvido pela Pastoral da Saúde da Paróquia Nossa Senhora de Lourdes. Encontros quinzenais, às terças-feiras, com acompanhamento de diversos profissionais. Mais informações: (43)99994-6519
Juliana Mastelini Moyses
Arquidiocese de Londrina
Foto de destaque: Paulo Henrique Bonatti
Fotos: Juliana Mastelini Moyses e Renilson Guimarães
Reportagem publicada na edição de novembro/dezembro da Revista Comunidade