Estamos passando por momentos de debates sobre a Reforma da Previdência que tramita no Congresso Nacional e de ataques violentos à Igreja, porque a mesma é contra essa reforma que ameaça destruir direitos sociais dos pobres, conquistados em 1988 com a promulgação da Constituição Federal.

 

A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), no dia 28 de março de 2019, divulgou uma nota sobre a Reforma da Previdência (http://www.cnbb.org.br/conselho-permanente-da-cnbb-divulga-mensagem-apos-reuniao-em-brasilia/), na qual os bispos elencam alguns pontos da Proposta de Emenda à Constituição, PEC 06/2019, considerando que a mesma escolhe o caminho da exclusão social e, diante desta constatação, convocam os cristãos e pessoas de boa vontade “a participarem ativamente desse debate para que, no diálogo, defendam os direitos constitucionais que garantem a cidadania para todos”.

 

Ainda, durante a 57ª Assembleia Geral da CNBB, em maio de 2019, (http://www.cnbb.org.br/episcopado-brasileiro-em-sua-57a-assembleia-geral-emite-mensagem-da-cnbb-ao-povo-brasileiro/),conscientes dos possíveis danos sociais que a Reforma poderá causar aos pobres, profetizam os bispos: “Nenhuma reforma será eticamente aceitável se lesar os mais pobres. Daí a importância de se constituírem em autênticas sentinelas do povo as Igrejas, os movimentos sociais, as organizações populares e demais instituições e grupos comprometidos com a defesa dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito.”

 

Em comunhão com a CNBB, a Arquidiocese de Londrina, através de uma equipe composta por agentes das pastorais sociais e de advogados, constituiu uma cartilha de orientação sobre a Reforma da Previdência. Mas, infelizmente, há inúmeros ataques injustos, violentos à postura evangélica da arquidiocese, e principalmente, ao seu pastor Dom Geremias, legítimo sucessor dos apóstolos, por oportunismo e falta de conhecimento da missão da Igreja no mundo, que é defender os mais pobres.

 

A Igreja, quando fala em distribuição justa de bens econômicos, materiais, financeiros e também da garantia dos direitos sociais, conquistados a duras penas, ela é acusada, por algumas pessoas, de pregar o comunismo e o socialismo. Isso, sem a Igreja anunciar com radicalidade o comportamento do cristianismo primitivo: “A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém dizia que eram suas as coisas que possuía, mas tudo entre eles era comum.Nem havia entre eles nenhum necessitado, porque todos os que possuíam terras e casas” (At 4, 32-34). Todavia, isso revela a falta de conhecimento e indiferentismo, sobre os princípios da Instituição católica, que estão fundamentados na Doutrina Social da Igreja: “com o seu ensinamento social a Igreja entende anunciar e atualizar o Evangelho na complexa rede de relações sociais” […]“A doutrina social tem o seu fundamento essencial na Revelação bíblica e na Tradição da Igreja” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, números 62 e 74).

 

Há sempre aquela justificativa que “padre e bispo, os pastores do povo, têm que cuidar da alma das ovelhas”. No entanto, o próprio Catecismo, compêndio da doutrina católica afirma:“A Igreja emite um juízo moral, em matéria econômica e social, quando o exigem os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas. A Igreja se preocupa com aspectos temporais do bem comum em razão de sua ordenação ao Sumo Bem, nosso fim último. Procura inspirar as atitudes justas na relação com os bens terrenos e nas relações socioeconômicas” (Catecismo da Igreja Católica, nº 2420).

 

O Brasil é um país considerado cristão, por causa dos 75.000 milhões de católicos e evangélicos, que supostamente aderiram essaprofissão de fé tradicional. No entanto, é um país contraditório: com uma grande riqueza, ao mesmo tempo abriga dezenas de milhões de pessoas pobres e mesmo famintas, sem casa, sem terra, sem renda justa e sem trabalho. Percebe-se, assim, que é um Brasil de cristãos sem Cristo.

 

Para o economista Celso Furtado, o Estado é o instrumento privilegiado para enfrentar os problemas estruturais como, concentração de terra, concentração de poder, concentração de renda, exclusão social e desigualdades abissais. E segundo ainda, a CNBB (57ª Assembleia Geral): “A opção por um liberalismo exacerbado e perverso, que desidrata o Estado quase ao ponto de eliminá-lo, ignorando as políticas sociais de vital importância para a maioria da população, favorece o aumento das desigualdades e a concentração de renda em níveis intoleráveis, tornando os ricos mais ricos à custa dos pobres cada vez mais pobres, conforme já lembrava o Papa João Paulo II na Conferência de Puebla” (1979).

 

Nas palavras evangélicas do Papa Francisco,“Este sistema é insuportável: exclui, degrada, mata”, e seus efeitos são sentidos por nós brasileiros nesta atual conjuntura do país e serão agravados com a possível aprovação da Reforma da Previdência. 

 

Neste momento, em que o Brasil atravessa uma fase tão complexa de ameaça da retirada dos direitos sociais, faz-se necessário intensificar e consolidar o diálogo entre a sociedade civil e seus representantes, ao mesmo tempo alinhar os interesses e o comprometimento com os direitos dos pobres, que são os mais prejudicados com a aprovação da Previdência. A reposta da Igreja para este impasse nacional encontra-se na abertura de canais de reflexão e participação popular, valorizando as formas de organização do povo, daí a importância e a necessidade dos cristãos se posicionarem em defesa da vida.

 

Portanto, a Igreja como sinal do Reino aqui na terra e fiel esposa de Cristo, morto pelo sistema religioso, político e econômico, por ter defendido os direitos dos empobrecidos, deixa bem claro em sua prática cristã: nenhum direito a menos, não à Reforma da Previdência.

José Cristiano Bento dos Santos
Padre da Arquidiocese de Londrina
Pároco da Paróquia Santo Antônio do Jardim Cafezal

 

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17 de maio de 2019

Por Ivo Lesbaupin

A Reforma da Previdência vem sendo apresentada pela mídia como a solução para todos os problemas da economia: se não aprovada, o país vai quebrar; se aprovada, vai gerar emprego, os salários vão aumentar, a economia vai deslanchar.

1 – Ora, em primeiro lugar, é preciso lembrar o que foi provado pela CPI da Previdência (2017): não há “rombo” na Previdência, há superávit. A Constituição de 1988 previu recursos suficientes para a Seguridade Social (saúde, previdência e assistência). Tais recursos vêm de 3 fontes: do Estado, dos empregadores e dos empregados.

 

As contribuições sociais previstas na Constituição Federal – COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social); CSLL (Contribuição sobre o Lucro Líquido); PIS (Programa de Integração Social); contribuição ao INSS pagas por trabalhadores e empregadores; sobre produção rural; importações; loterias etc. – foram mais que suficientes para cobrir toda a despesa da Seguridade Social (que engloba: a Previdência, a Saúde e a Assistência Social) e ainda sobraram recursos. Estes recursos sobrantes foram destinados pelo governo não para a Previdência, mas para outros fins, em especial para o pagamento de juros da chamada  dívida pública.

 

Importante: a fonte de recursos para a Previdência não é unicamente o salário dos trabalhadores. O regime de repartição no Brasil não depende apenas de uma fonte: os trabalhadores contribuem, mas também os patrões (os empregadores) e o Estado. Portanto, o argumento de que a diminuição do número de trabalhadores vai inviabilizar a Previdência é falso.

 

A alegação de insustentabilidade da Previdência é refutada pelos próprios dados. Vejamos:

Desde a aprovação da Constituição, em 1988, até 2015, inclusive, o superávit de recursos na Seguridade Social tem sido impressionante, conforme dados oficiais anualmente segregados pela ANFIP (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil). A sobra de recursos foi, por exemplo, de:

R$ 72,7 bilhões em 2005;

R$ 53,9 bilhões em 2010;

R$ 76,1 bilhões em 2011;

R$ 82,8 bilhões em 2012;

R$ 76,4 bilhões em 2013;

R$ 55,7 bilhões em 2014, e

R$ 11,7 bilhões em 2015.

E observe que essa sobra considerou apenas a arrecadação das contribuições sociais (estes dois últimos parágrafos foram copiados do artigo de Maria Lúcia Fatorelli, em anexo).

 

Segundo o economista Eduardo Moreira, só houve déficit em 2016 e 2017. Por que? Queda do crescimento econômico, aumento do desemprego, com muita gente sem pagar a previdência, a precarização do emprego e a informalização, onde, muitas vezes, as pessoas trabalham mas não pagam a previdência. A Reforma Trabalhista só veio piorar este quadro.

2 – Em segundo lugar, a Previdência não é o maior gasto público do país: é a dívida pública. Em 2018, a Previdência representou 25% da despesa e a dívida representou 40%. Destes 40%, uma parte significativa foi para pagar os juros da dívida: cerca de 350 bilhões de reais. Quantia que é dirigida para os mais ricos do país, apenas 1% da população. Por que? Porque a taxa de juros, de 6,5%, continua a ser uma das mais altas taxas de juros reais (descontada a inflação): somente 6 países têm taxas reais acima da nossa. Boa parte dos países têm taxas reais de 0 (zero) ou abaixo de zero. Se nossa taxa fosse baixa, não pagaríamos bilhões aos mais ricos. Veja as taxas de juros reais no mundo, em fevereiro/2019.

3 – Além disso, só em isenções fiscais, o Brasil hoje abre mão de 350 a 400 bilhões de reais por ano (somente o governo federal).

 

Em sonegação fiscal, o Brasil perde 500 bilhões por ano (e, hoje, temos tecnologia que nos permite localizar os sonegadores).

Ao somarmos

350 bilhões (juros),

350 bilhões (isenções fiscais) e

500 bilhões (sonegação),

temos 1 trilhão e 200 bilhões de reais – em um ano – que deixam de ser usados em políticas sociais (saúde, educação, transporte, etc.) e só servem a ricos e a empresários/banqueiros/rentistas.

Ora, a Reforma da Previdência pretende arrecadar 1 trilhão em dez anos: não precisa desta Reforma para isso, temos outras fontes certas e seguras

 

Não há necessidade desta Reforma da Previdência, que pretende economizar dinheiro tirando dos mais pobres, dos trabalhadores rurais e dos idosos. Precisamos estender a Previdência àqueles trabalhadores que não têm acesso a ela, precisamos cobrar mais dos mais ricos e pagar mais aos mais pobres.

 

O principal objetivo da Reforma da Previdência de Bolsonaro é passar do regime de repartição – que é o atual, baseado na solidariedade social – para o regime de capitalização – que é individualizado. No regime de repartição todos contribuem, trabalhadores, empregadores e Estado. No regime de capitalização, só o trabalhador contribui (e, na maioria dos casos, só contribui quando está empregado). Assim, todos os períodos em que o trabalhador ficar desempregado, não contribuirá para a previdência e terá dificuldade de atingir o tempo mínimo de contribuição para obter a aposentadoria.

 

Ao passar para o regime de capitalização, as outras fontes da Seguridade Social (Previdência, Saúde e Assistência) vão ser interrompidas. Somente haverá a contribuição do trabalhador individual. Acabará a contribuição dos empregadores (patrões) e as contribuições sociais – que garantem hoje o superávit da Seguridade, como visto acima.

 

O país exemplo do regime de capitalização é o Chile de Pinochet. Hoje em dia, 80% dos aposentados neste país recebe menos que o salário-mínimo de aposentadoria. Os grandes beneficiários deste modelo de Previdência não são os trabalhadores, são os bancos e os fundos de pensão.

 

Sem esquecer que, como o dinheiro da aposentadoria fica aplicado (em bancos, fundos de pensão), seu rendimento depende do “mercado”. Se o mercado estiver bem, sua aposentadoria será boa, se estiver ruim, sua aposentadoria estará baixa, não importa quanto você tenha contribuído durante seus anos de trabalho. Por ocasião da crise econômica internacional de 2008, nos EUA, as aposentadorias perderam 40% do seu valor.

 

A primeira condição para reduzir as desigualdades seria reduzir drasticamente os juros da dívida pública, como fizeram inúmeros países do mundo a partir da crise de 2008 (vários reduziram os juros a 0 (zero)). Deixaríamos de pagar 350 bilhões de reais aos mais ricos e poderíamos investir em saúde, educação, etc.

A outra Reforma que permitiria reduzir as desigualdades e os privilégios seria a Reforma Tributária progressiva, de modo que os que ganham mais paguem mais impostos e os que ganham menos paguem menos (ou nada). Hoje os pobres pagam proporcionalmente mais que os ricos. Por exemplo, os mais ricos não pagam impostos sobre lucros e sobre dividendos: só um país no mundo, além do Brasil, tem este privilégio para os ricos, a Estônia.

 

Com uma Reforma Tributária progressiva, teríamos recursos mais que suficientes para as políticas públicas.