Memórias de quem conviveu com dom Geraldo fora dos eventos oficiais da Igreja de Londrina

A história oficial de dom Geraldo Fernandes é bem conhecida na arquidiocese. Ele foi o primeiro bispo e arcebispo, construiu a atual Catedral. Um dos nomes do Concílio Vaticano II. Fundou a congregação das Irmãs Claretianas, presente hoje nos cinco continentes. Seu nome consta nos registros da Universidade Estadual de Londrina (UEL), criada com a Faculdade de Odontologia no prédio da Catedral cedido por ele, universidade na qual ocupava a cadeira de Direito Romano.

E eu fiquei famoso por ser a pessoa que tinha o telefone particular do dom Geraldo Fernandes

Nossa reportagem foi atrás, porém, de outras histórias. Fatos, quem sabe, desconhecidos, de pessoas comuns, leigos que participavam da missa presidida pelo bispo na Catedral ou que o viam em eventos e ruas de Londrina. Um estudante que cursava Odontologia no salão da Catedral e pediu o carro do bispo emprestado para levar o time até a quadra de futebol. O aluno de dom Geraldo no curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina (UEL), que fora coroinha e teve o casamento celebrado por ele. Ou da senhora do Movimento de Schoenstatt que, quando jovem, protagonizou a peça de teatro que recepcionou o bispo recém-chegado em Londrina. São essas histórias que apresentamos a seguir. Uma singela homenagem, que mostra as várias caminhadas com dom Geraldo.

Faculdade de Odontologia funcionava no prédio da Catedral, cedido por dom Geraldo (Foto Prefeitura de Londrina)

Bispo, me empresta o carro?

Edson Gradia conheceu dom Geraldo Fernandes em 1962, quando foi fundada a Faculdade de Odontologia nos fundos da Catedral, em espaço cedido pelo bispo. Havia um bom convívio e eles chegaram a ser amigos. “Ele era um homem que gostava de conversar, principalmente com os moços pra ver o que a mocidade pensava pra poder analisar e fazer os seus sermões.” Mal sabia ele que aquela amizade o livraria de dificuldades num futuro próximo.

Durante os anos da ditadura, Gradia conta que havia muita perseguição em Londrina e ele, por ser membro do movimento estudantil, acabou sendo um dos alvos. “Aí um dia ele me chamou e falou: ‘Gradia, sossega um pouco, os caras estão de olho em você’. Ele pegou um papel, me deu o telefone da cabeceira dele, que só ele atendia, naquele tempo não tinha celular. Falou: ‘qualquer coisa que acontecer com você ou com qualquer estudante da faculdade, você liga que eu resolvo’”, recorda. “Basta dizer que nenhum estudante universitário foi preso, todos foram protegidos por ele, mesmo alguns que falavam até mal dele nem sabem que foram protegidos pelo dom Geraldo.”

Dom Geraldo se fazia próximo de todos, desde os mais jovens (Foto Arquivo)

Depois saiu uma conversa na cidade de que ele tinha o telefone pessoal do bispo e todo mundo que tinha medo de ser preso o procurava. “Eu ia segurando até onde podia, daí chegava lá pra conversar com dom Geraldo, eu levava umas broncas, mas ele atendia todo mundo com muito carinho, com muito respeito. E eu fiquei famoso por ser a pessoa que tinha o telefone particular do dom Geraldo Fernandes.”

Como o escritório de dom Geraldo ficava na parte superior da Catedral, ele sempre passava pelas salas da Faculdade de Odontologia. “Teve um dia que a gente foi jogar futebol, e faltou um carro pra poder levar todo mundo. Aí eu fui falar com ele: ‘oh dom Geraldo, empresta o carro pra levar o time pra jogar futebol’. Aí ele pensou, pensou, falou: ‘eu vou emprestar, mas cuidado onde vocês vão com o meu carro’ [naquela época a placa do carro indicava que era o carro do bispo]. Falei: ‘fica sossegado, nós vamos até a quadra e vamos voltar.’ Ele deu risada. Viu como ele era afável e acessível até com essas pequenas coisas?” 

E quantas vezes Gradia encontrou dom Geraldo na rua! O bispo o cumprimentava, pegava-o pelo braço e dizia: vem andar comigo. “E o bicho andava, barbaridade, era alto, tinha uma passada grande, e eu acompanhando o homem até onde ele quisesse que eu andasse junto com ele. Depois ele entrava onde ia e eu voltava pro meu caminho”, comenta. “É uma pessoa que eu tenho muito carinho e a cidade tem que ter um profundo respeito por ele”, finaliza Gradia.

Uma habilidade descoberta por dom Geraldo

Quem se lembra das locuções do Antônio Godoy na Rádio Alvorada talvez não saiba que ele adentrou ao mundo da comunicação por influência de dom Geraldo. Ao vê-lo fazendo o comentário de uma missa na Paróquia Nossa Senhora de Lourdes, dom Geraldo o chamou para assumir a coordenação da missa na TV Coroados. “Ele gostou e me chamou. Ele já tinha uma participação na TV Coroados e tinha também uma presença no programa Ave Maria na Rádio Alvorada. Ele sempre soube usar da comunicação, tanto rádio, escrita, falada e televisionada.”

Dom Geraldo era um home da comunicação, além da escrita e da fala, tinha programa na TV Coroados e na Rádio Alvorada (Foto Arquivo)

“Mas eu  nunca pensei nisso. Eu venho lá do sítio. Em 1964 quando surgiu a Rádio Alvorada, eu e minha família nos orgulhamos porque era a primeira rádio católica de Londrina, da região. Então eu já acompanhava e ouvia dom Geraldo no rádio naquela época, depois eu fui conhecê-lo pessoalmente mas sem nenhuma pretensão, não fui atrás, foi por acaso, mas foi providência”, destaca Godoy. 

Dom Geraldo o enviou a São Paulo, junto com um padre capuchinho, para fazer um curso e os dois assumiram a coordenação da missa na TV Coroados. “Eu fui pra São Paulo, fiquei 15 dias com os freis, na companhia de vários bispos… então tive o privilégio de estar entre os poucos leigos, pra receber as primeiras lições de como fazer script de televisão… Mas na época era tão difícil, se hoje não é fácil, imagina na época quando era tudo ao vivo, não tinha nada gravado.”

Dom Geraldo abençoa os ouvintes no segundo aniversário da Rádio Alvorada (Foto Arquivo)

Nessa época, a Rádio Alvorada já existia, mas Godoy conta que nunca falara sobre isso com dom Geraldo. Depois de um tempo, Godoy começou na Rádio Londrina, onde trabalhou por três anos, e em 1972 começou a trabalhar na Rádio Alvorada. “A Alvorada não aceitava se não tinha experiência. O sonho de todo mundo na época era trabalhar na Rádio Alvorada, ela já nasceu grande. Os equipamentos mais sofisticados na época… Dom Geraldo foi fantástico, ele idealizou um meio de comunicação desde o início de seu pastoreio”, conta.

‘Eu vou fazer o casamento do JB’

JB Faria também tem uma história de proximidade com dom Geraldo. Quando o bispo chegou a Londrina em 1957, seu pai Antônio Faria Neto era presidente dos Vicentinos e dom Geraldo foi um grande incentivador do movimento. “Então se ligou muito ao meu pai, de maneira que até frequentava minha casa, volta e meia ia almoçar, ia jantar lá em casa. Uma pessoa muito simples, ele era de uma simplicidade incrível.”

A ligação entre eles era tão grande que quando o senhor Antônio Faria convidou dom Geraldo para o casamento do filho em 1968, ele logo falou: “eu vou fazer o casamento do JB”. “E ele, e o monsenhor Bernard, na Imaculada Conceição fez o meu casamento, era uma amizade muito grande, muito estreita.” 

Um verdadeiro pastor. “Uma figura extraordinariamente positiva que vivenciava a comunidade da cidade de maneira muito forte, cobrava também”, descreve JB, que além disso foi coroinha de dom Geraldo nas celebrações diárias na Paróquia Imaculada Conceição, ao lado de onde dom Geraldo morava.

Mas a ligação entre os dois não para por aí. Dom Geraldo também foi professor de JB no curso de Direito na Universidade Estadual de Londrina (UEL),  onde lecionava Direito Romano.

Dom Geraldo e monsenhor Bernard celebraram o casamento de JB e Dirce

‘A gente rezava por ele durante o Concílio Vaticano II’

As amigas Célia Secco Jorge e Lygia Schrank Araújo falam com carinho de dom Geraldo, inclusive de sua chegada a Londrina. Quando ele assumiu a Diocese de Londrina, em 1957, Lygia preparou, com os colegas do Colégio Londrinense, uma peça de teatro para homenagear o bispo que visitaria o colégio. 

Lygia estrelou no papel da protagonista Almaíza na peça apresentada ao bispo recém chegado a Londrina

Célia, por sua vez, estudava no Colégio Mãe de Deus e estava entre as estudantes que o recepcionaram, todas uniformizadas e com a bandeira do Brasil, no dia de sua chegada, em formação em frente à então Igreja Matriz do Sagrado Coração de Jesus.”Foi uma felicidade imensa [quando veio a notícia que Londrina teria um bispo]. A gente celebrou muito, todo mundo já começou a se envolver para preparar a casa. Ele foi muito bem recebido.”

Lygia e Célia participavam, cada uma em seu colégio, da Juventude Feminina de Schoenstatt. Mas ainda não havia Juventude Masculina na cidade. Foi no Colégio Londrinense que surgiu o interesse dos rapazes que encenaram a peça Almaíza com Lygia. Como a coordenadora, irmã Terezinha, falara que só poderia formar um grupo masculino com a autorização do bispo, Lygia e dois colegas não perderam tempo, foram falar com ele.

Dom Geraldo era muito próximo das famílias (Foto Arquivo Geral | MSAMC)

“Contamos como estava a juventude e depois o rapaz falou: ‘só que pra nós não tem nada, nós pedimos pra irmã Terezinha dar formação para nós’. Daí eu reforcei: ‘ela falou, dom Geraldo, que só com autorização do senhor’. Ele falou: ‘pois então diga à irmã Terezinha que eu não só autorizo, mas que é um pedido expresso do bispo pra ela’. Aí ela começou, ela deu formação para o grupo de rapazes”, conta Lygia.

Essa é uma das situações que, segundo elas, demonstram como o bispo era acolhedor e acessível. Anos mais tarde, um café da manhã ficou gravado no coração das duas. As jovens, já casadas, participavam com os maridos da Obra das Famílias de Schoenstatt, e dom Geraldo chamou vários casais para um café da manhã de Páscoa. No início ficaram com receio de ir com crianças pequenas, mas o bispo fez questão: era para levar as crianças. “E deixou todo mundo à vontade, atendeu os pequenos, conversou, festejou com eles, contou coisas interessantes pras crianças, foi um café da manhã muito bom”, conta Célia

Lygia também recorda com carinho que antes de cada viagem de dom Geraldo a Roma para o Concílio Vaticano II, as famílias iam visitá-lo, desejando bênçãos e oferecendo capital de graças pelo concílio. “A gente fazia ramalhete espiritual, rezava por ele, e rezava durante o concílio. Quando ele voltava, reuníamos de novo os casais e ele contava como tinha sido, aquilo que podia contar né. Então a gente acompanhou o concílio todo”, fala Lygia.

Juliana Mastelini Moyses
PASCOM Arquidiocesana

Enquanto do Geraldo participava do Concílio Vaticano, as famílias ficam rezando por ele

Destaque da Revista Comunidade edição maio de 2022.
O Destque é a matéria principal mensal da Revista Comunidade, a revista oficial da Arquidiocese de Londrina, que tem como patrocinadores:

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No mês em que comemora seus 55 anos de sacerdócio, monsenhor Bernard Carmel Gafá, um dos cinco primeiros padres ordenados em Londrina, conta aos leitores da Revista Comunidade sua história de vida construída juntamente com a história da Arquidiocese de Londrina

 

Começando pela sua história na Igreja de Londrina, desde quando o senhor está em Londrina? Já era seminarista em Malta? Pode nos contar como veio para cá? 

Sempre quis ser padre desde criança. Ia para a igreja com meu pai e sentia dentro de mim aquele desejo de levar a pessoa de Jesus às pessoas onde não o conheciam. E esse desejo foi crescendo. Quando tinha 17 anos entrei para o seminário e comecei o estudo da filosofia. Bem neste ano, 1958, dom Geraldo Fernandes chegou em Malta, ao seminário onde eu estava. E ele nos explicou sobre sua diocese, que fazia apenas um ano que ele era bispo em uma diocese nova, no Norte do Paraná, e nos convidou então, seminaristas, futuros padres para podermos vir ajudá-lo. E foi ali que começou dentro de mim aquela semente, aquela vocação que eu já tinha de ser missionário.Mas precisava terminar aquela primeira fase de estudos, da filosofia ainda em meu país. Quando tinha 21 anos eu vim para Londrina com mais outros quatro seminaristas: Monsenhor José Agius, de Rolândia, outros dois padres já falecidos, e um outro que foi depois para os Estados Unidos.

 

Viemos para o Brasil sem saber de nada. Nós viemos como Abraão que foi para a Terra Prometida. “Deixa tua família, tua casa e vai aonde eu vou te mostrar”. Eu imaginava que encontraria aqui um lugar como o Amazonas, mas não, era muito melhor. Era Londrina. Claro, era Londrina no começo, no ano de 1961, tudo muito novo. Nós também éramos muito novos, com 21 anos de idade, era aquele entusiasmo, aquela alegria, povo muito acolhedor.Dom Geraldo era muito bom conosco. Assim começamos. Tínhamos que estudar Teologia. Fomos para Curitiba, no Estúdio Teológico dos padres claretianos. Ali passamos os quatro anos da teologia. Nas férias vínhamos para Londrina. Eu passava minhas férias de dezembro, janeiro e depois em julho na cidade de Santa Fé, perto de Astorga. Cada um de nós, os cinco seminaristas, ficávamos em uma paróquia. E assim vivíamos junto com aqueles párocos até chegar o grande dia em que fomos ordenados sacerdotes. Nossa ordenação foi na Catedral de Londrina, no dia 4 de julho de 1965. Quero dizer que nestes dias estou completando 55 anos de ordenação sacerdotal. Como passou rápido esse tempo!

 

Quantos anos tinha a diocese quando o senhor chegou aqui?

Depois de ordenado padre, Dom Geraldo me colocou aqui na Paróquia Imaculada Conceição. Claro que naquele tempo tinham poucos padres e também poucas paróquias. Londrina contava mais ou menos 150 mil habitantes, mas havia muito movimento, aos domingos tínhamos cinco missas. Eu e um padre japonês, que cuidava da comunidade japonesa, morávamos juntos. Durante todos os dias da semana tínhamos uma missa de manhã e outra à noite. Na Imaculada Conceição realizávamos também muitos casamentos, porque era uma igreja pequena, muito apropriada para essas festas. Eu me lembro de um mês de janeiro no qual fiz 55 casamentos. Num sábado só eu cheguei a fazer 12 casamentos. Tínhamos também muitos batizados, muita vida de paróquia. Tínhamos o grupo de jovens, as senhoras do Apostolado, os Vicentinos. Era muito gostoso, uma vida muito ativa. E assim também a cidade de Londrina, o Norte do Paraná, começaram a crescer. Aliás, é importante saber que Londrina se tornou diocese em 1957 e logo depois Maringá também.

 

O que levou ou promoveu a elevação de Londrina de Diocese para uma Arquidiocese? Houve algum tipo de ciúmes de Jacarezinho, que era mais antiga?

Antes todo o Norte do Paraná pertencia à diocese de Jacarezinho. Não tinha outra diocese. Então veio Londrina e Maringá, logo depois foi Campo Mourão e assim foi crescendo. E veio a necessidade de Londrina se tornar Arquidiocese, abrangendo também as dioceses de Jacarezinho, Apucarana, Cornélio Procópio e Londrina. Quatro dioceses numa Arquidiocese.  Não se estranhava o fato de Jacarezinho não ter se tornado Arquidiocese, pois ficava um pouco distante aqui do centro do Paraná e também não cresceu tanto como Londrina. Aqui era o norte mesmo, pioneiro, e que prometia muito, e de fato cresceu bastante. Então era razoável que de fato Londrina ficasse como a arquidiocese. E até hoje aqui se cresce bastante e Jacarezinho ficou mais no interior.

 

Considera a evangelização naquela época mais fácil do que nos tempos atuais? 

Não digo que era mais fácil, mas quando se começa a crescer a cidade com os prédios, os problemas, as distâncias… Claro que isso começa a ficar mais difícil. Imagina nos grandes centros, nas grandes cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro, sem dúvida nenhuma a evangelização fica mais difícil. Então, naquele tempo, o ambiente era mais familiar, mais comunicativo, todo mundo se conhecia, se visitava. Tinha aquele ambiente do interior, que facilitava as relações humanas e também a vivência religiosa. Com o tempo então, claro, as cidades começam a se tornar metrópoles, com muitos outros problemas, de distanciamento, criam-se então outras necessidades, outras dificuldades.

 

Como era a caminhada da Igreja nesses primeiros anos? Quais foram os principais desafios?

Londrina teve muita sorte quando Dom Geraldo Fernandes foi escolhido como primeiro bispo. Ele era de uma capacidade extraordinária. E deixou uma infraestrutura fortíssima para nossa diocese até hoje. Naquele tempo vieram os vários movimentos, havia o Cursilho, o movimento dos jovens, as senhoras do Apostolado, o Movimento Familiar Cristão, enfim, havia uma movimentação muito boa, muito grande. Acredito que o que fortaleceu a pastoral aqui na Arquidiocese foram de fato os movimentos. A liturgia se enriqueceu com os ministros extraordinários da Eucaristia, que antigamente não tinha.

 

Passamos também pela a adaptação ao Concílio Vaticano II. Como se sabe, o concílio terminou em 1965 e daí começou a ter as novidades, a participação maior dos leigos na liturgia, a liturgia passou a ser na língua do lugar. Eu mesmo comeceia celebra missas e os outros sacramentos em Latim….Ninguém entedia nada. Depois então com a língua vernácula do povo, nós tínhamos um contato mais direto. A liturgia passou a se tornar mais próxima viva, mais comunicativa, mais participativa e pincipalmente também com o engajamento dos leigos que passaram também a dirigir, a participar ativamente. Antes eram apenas ouvintes, recebiam a mensagem.Houve uma mudança muito grande sim na participação.

 

Outra coisa muito bonita, e que Dom Albano introduziu,foi o Dia da Palavra, ou a dedicação à Palavra de Deus, à Bíblia Sagrada.  Colocar o Evangelho e a Sagrada Escritura nas mãos do povo. Não só pela leitura nas missas, mas pelas reuniões com a leitura da Bíblia, o dia da palavra nos grupos e nas famílias. Então a Palavra de Deus começou a se tornar bem mais participativa. Isso ajudava também na catequese. Quando cheguei aqui a catequese era muito fraca, com apenas um ano de preparação para a primeira Eucaristia. Depois, no tempo de Dom Albano, começou a se organizar, com mais anos de preparação das crianças na catequese.

 

Estes tempos de pandemia, de isolamento social, reforçaram o papel e a importância das Igrejas Domésticas. Em sua avaliação, isso promoverá um crescimento missionário nas pessoas, nas famílias? Quais os principais desafios?

Este tempo de pandemia realmente é um problema. As Igrejas estão fechadas já faz quase quatro meses, e pelo jeito vai até o fim do ano. Isso dificulta. Se fala das Igrejas domésticas, se fala da participação pelos meios de comunicação social.  Muitas paróquias se comunicam ao vivo pelo Dia da Palavra, da missa nos domingos e outras circunstâncias. Mas, como alguém disse recentemente, “Deus não é virtual, o amor não é virtual, a família não é virtual”. Então, sinceramente, acho que vamos sofrer e a recuperação será difícil, gradual e levará tempo até nós retomarmos uma vida ativa, viva, com a força da comunidade que nós tínhamos. Acredito que teremos um trabalho muito grande a ser feito, para refazer tudo das cinzas. Eu digo assim das cinzas porque quando pudermos reabrir nossas igrejas aquelas pessoas da fixa de risco não vão poder participar, terão aquele receio, aquele medo ainda, aquela distância. Vai levar tempo sim, vai levar tempo para que possamos nos sentirmos livres, ter a coragem de voltarmos a construir uma Igreja viva, ativa. Queira Deus que possamos aprender com isso, mas sofreremos também.

 

Qual a importância de Londrina para sua vida sacerdotal?

Londrina significa tudo, pois se sou sacerdote, há 55 anos, tudo começou aqui em Londrina, quando eu tinha 21 anos de idade e já completei 80 anos. Eu sou londrinense, sou cidadão londrinense, sou comendador do Paraná, sou padre de Londrina, o padre mais antigo de Londrina, além do padre Francisco Schneider, que é mais idoso e mais presente m Londrina. Então, sem dúvida nenhuma, eu vi Londrina crescer e sou parte de Londrina. Londrina é tudo para mim, é muito importante.

 

Há um trabalho que o senhor goste mais de fazer e que fortaleça sua vocação?

Meu pai sempre dizia que quando Deus gosta de uma pessoa Ele lhe dá oportunidade de fazer o bem. E Deus me deu muitas oportunidades para fazer isso. Uma das coisas boas que eu fiz, especialmente no tempo que estava na Catedral, foi a oportunidade que tive de ajudar as igrejas-irmãs de Londrina. Fui eu que comecei esta ajuda entre as igrejas. Nunca fiz uma lista das ajudas que eu dava, só Deus é que sabe! Mas, sem dúvida nenhuma, tem ao menos seis igrejas que começaram do nada, e hoje são paróquias organizadas que eu ajudei a construir.

 

Tem uma lista enorme, graças a Deus. Ele me deu esta oportunidade e possibilidade – e o povo participava. Tínhamos condiçõesde fazer este benefício em favor das outras igrejas. Dom Albano gostava tanto desse trabalho que ele determinou às outras paróquias a doação de 1% de suas contribuições para formar um fundo de ajuda paroquial. Dom Albano se inspirou no projeto das Igrejas-Irmãs que comecei e levei adiante. Este fundo se chama Fundo Arquidiocesano de Partilha, e que existe até hoje.

 

Outro trabalho muito importante é o de ajuda aos pobres. Naquele tempo,eu atendia a muitos pobres. Às vezes os vicentinos acompanhavam para ver a realidade das famílias. Muitas famílias ajudei e também construí muitas casas. Ajudamos ainda à Casa do Bom Samaritano, a creches, ao asilo e outros locais de assistência. Um trabalho muito importante, muito bonito de caridade às pessoas e às entidades de assistência.

 

Há algum outro assunto ou história que o senhor considere interessante ou importante, por favor,conte-nos.

Quando vim para o Brasil eu trouxe comigo duas imagens de 30 cm. Uma do Sagrado Coração e outra da Imaculada Conceição, feitas na Espanha, muito bonitas. E nesses 55 anos que estou como sacerdote eu só servi a essas duas paróquias: a Imaculada Conceição e a do Sagrado Coração de Jesus. Parece que foi uma providência, uma iluminação divina. Passei 10 anos na Imaculada logo no início da minha vida sacerdotal, depois passei 10 anos no seminário Paulo VI, como professor. De lá fui para a Catedral onde fiquei por 30 anos. E agora voltei para terminar a minha vida aqui de novo, na casa da Mãe, na casa da Imaculada Conceição. Então, esse parece um projeto que Deus tinha para mim. Eu trouxe isto comigo e estou terminando também a cumprir esta missão, com a graça de Deus.

 

Hoje, completando 55 anos de vida sacerdotal, eu olho para traz erealmente posso ver que foi a mão de Deus que me dirigiu. Alguém me perguntou porque me tornei padre? A resposta é não fui eu que me tornei padre. Foi Jesus, foi Deus que me chamou, foi Deus que me conduziu. Como diz São Paulo de si mesmo: “Deus me chamou e confiou em mim. Deus me chamou, me enviou e confiou em mim”. E graças a Deus, Ele me chamou sim, me enviou e confiou em mim. Espero ter cumprido a minha missão e continuo a cumprir até o dia em que Deus me der vida aqui em Londrina. Dou graças a Deus porque tive realmente uma vida muito bonita, muitas graças, criei muita amizade, muita gente amiga e, realmente, tenho uma família muito grande. Como Jesus diz “quem deixa a própria família recebe cem vezes mais”. Isso eu posso dizer aqui, quantos amigos eu tenho por toda Londrina, graças a Deus. Isso só por causa da minha vocação sacerdotal. Termino dizendo como Maria: “Minha alma glorifica ao Senhor, meu espírito exulta em Deus meu salvador. Porque ele fez em mim maravilhas, santo é o seu nome”. Obrigado, Senhor!

 

Célia Guerra
Pascom Arquidiocesana

Entrevista publicada na edição de julho da Revista Comunidade – número 362